Manicómio em São Vicente

 

H á novelas mexicanas com menos voltas que esta história em São Vicente. António Gonçalves, candidato do PSD/CDS, decidiu aparecer em cena a bradar contra o CHEGA, porque — pasme-se — o CHEGA anda a dizer que o PSD anda a dizer que, se os reformados não votarem no PSD, perdem as pensões.

Leu bem: é António Gonçalves a desmentir que anda a dizer aquilo que, segundo ele, o CHEGA anda a dizer que ele anda a dizer. Um enredo digno de uma comédia de enganos. Ou, se quisermos ser mais generosos, uma espécie de matrioska política: abre-se a primeira acusação e lá dentro está outra acusação, e depois outra, até já ninguém saber quem disse o quê. Só fica claro que, no meio da confusão, sobra sempre palco para o candidato do costume.

Confuso? É normal. Trata-se de um desmentido ao quadrado: o candidato desmente o partido que o acusa de estar a dizer aquilo que ele garante que nunca disse, mas que afinal até precisava que se dissesse para depois vir desmentir. Parece um trava-línguas, mas em versão política.

Curioso é também o papel do próprio jornal. Excluiu o CHEGA do debate autárquico que promoveu e, depois, publica uma peça em que — na prática — dá palco ao líder local para desmentir a acusação. O resultado é um relato com princípio e fim bem definidos, mas com o intervalo mal contado: os atores do meio, as provas e a voz completa do outro lado, ficam à margem. Quem ganha com isto? Não a clareza, certamente. Ganha-se, isso sim, um enredo simplificado e cómodo para consumo público.

E aqui está o génio da jogada: Gonçalves posa de vítima perseguida, mas acaba com a manchete inteira para si. O CHEGA, que supostamente lançou a bomba, fica reduzido a uma nota de rodapé e a um post perdido no Facebook de um candidato de segunda linha. O jornal, esse, publica a versão pronta a consumir, como se estivesse a imprimir santinhos de campanha: António indignado na primeira página, António esclarecido na última, e o eleitor a meio do caminho a pensar: “mas quem demente quem e quem acusa o acusador? Este rapaz só vê moinhos de vento!”

O Jornal da Madeira, que recebe 60 mil anuais de ajustes directos simplificados, que não obrigam a publicitação pública, vai a correr dar-lhe palco. Já nem é jornalismo, é assistência médica: António tropeça numa narrativa, e o JM aparece logo com a maca, a soro e a manchete. O CHEGA fica esquecido na sala de espera, para que os eleitores não se lembrem dele.

O mais irónico é que quem realmente teme perder alguma coisa aqui não são os reformados — são os candidatos. Os velhinhos sabem que a reforma cai todos os meses, venha quem vier. Quem não tem a mesma garantia é o PSD de São Vicente. Esse, sim, pode muito bem ver a “reforma” nas urnas.

Ora, convenhamos, só acredita que um candidato a presidente de câmara pode tirar pensões quem ainda acha que o Pai Natal distribui reformas pelo correio. Mas António Gonçalves precisa desse papão. Precisa que alguém o acuse para depois ele se indignar, inflar o peito e aparecer como o grande defensor dos velhinhos. É a velha política do medo, embrulhada em papel de vítima.

O problema é que os reformados de São Vicente não são parvos. Ouve-se nos cafés: muitos até lhe apertam a mão, prometem-lhe votos, dão-lhe sorrisos… mas mal ele vira costas, dizem o que realmente pensam. E não são palavras bonitas. Uns dizem que “nunca mais votam neste PSD”, outros são mais criativos e atiram-lhe nomes que não cabem impressos. Dizem mesmo que neste PSD do Garcês , Humberto e "Preto" não votam nunca mais. O António que pergunte nos almoços de domingo — talvez descubra que o seu eleitorado fiel anda cada vez mais curto.

No fundo, esta história das pensões é só um pretexto. O que está aqui em causa não é o medo dos reformados, é o medo do candidato: o medo de que, apesar de todo o teatro, as urnas lhe mostrem que o povo não se compra com o bicho-papão das reformas.