Q uem se deu à maçada de percorrer os sites noticiosos e as redes sociais para saber das ocorrências da Festa do PSD/PPD Madeira, na Herdade da Achada Grande, AKA como do Chão da Lagoa, apercebeu-se que a maioria das fotos - entusiasticamente e exuberantemente publicadas, assim a modos de uma marcação no livro do ponto – eram de governantes, deputados, dirigentes da administração pública regional, outros funcionários da mesma, dirigentes das Casas do Povo e outras IPSS e funcionários do partido. Claro que está o líder nacional e penduras que vieram à espetada e à poncha oferecida pelos patuscos, madeirenses também figuravam.
À boa maneira soviética, o partido – “único e inquestionável” – revê-se nas suas elites e faz do resto do povo, - que, maioritariamente, acorreu à serra para ouvir o Toy e os Dama e comer uma espetada num lugar com estacionamento organizado e boas instalações, retretes e tudo -, um apêndice conveniente para fazer número e fazermos de conta que os apoiantes eram muitos.
Os retratados que fizeram questão de constar dos Facebooks e Instagrams, são os boys and girls que tomaram conta dos diversos níveis do Governo Regional, do Parlamento Regional e de todos os demais satélites da Administração Pública Regional da Madeira.
Salgueiro Maia, o mais puro dos capitães de Abril, num discurso de motivação às tropas antes da marcha sobre Lisboa, falou no “estado a que isto (o país) chegou”. Referia-se ao Portugal resultante da putrefação do Estado Novo, do marcelismo frustrado e da cega teimosia da velha guarda em manter o império contra tudo e contra todos.
Cinquenta anos volvidos, atrever-me-ia a dizer que Maia, e a maior parte dos seus camaradas, escaparam à desilusão de verificar que a corrosão das estruturas democráticas portuguesas atingiu um nível desastroso. Autarcas, governantes, dirigentes, adjuntos e conselheiros em todos os níveis da administração pública, nacional, regional e local, são sistematicamente, encontrados envolvidos em negócios obscuros, em violações claras da legalidade, com evidente desbarato de dinheiro que será, sempre, oriundo dos cidadãos pagadores de impostos.
A promiscuidade entre cargos públicos e negócios ou interesses privados tornou-se uma quase inevitabilidade. Demonstra-se, quase diariamente, nos escândalos, inquéritos e suspeitas que vão sendo noticiados. Temo pelo dia em que o cidadão comum, perante mais uma parangona da comunicação social, abane os ombros e diga só para si: “mais uma”! Nesse dia, chegaremos ao grau zero em que já ninguém se incomodará, importará ou prestará um segundo de atenção à corrosão das instituições. Para os corruptos poderá parecer o paraíso, para o cidadão comum será o princípio do fim da organização social. Depois disso, resta a anarquia ou, pior, a violência dos autocratas!
As demissões – quando ocorrem, porque a imunidade e a impunidade ainda parecem ser a regra -, raramente trazem consequências e não é inédito vermos responsáveis condenados, voltarem a funções públicas, após um curto período de nojo. Nos outros casos, os processos, administrativos ou judiciais, arrastam-se até à prescrição. Responsabilidade política é coisa rara, seja para os infratores, seja para quem os designou para o cargo.
O povo, tantas vezes invocado nos discursos, assiste, aparentemente impávido, ao desfile de denúncias e escândalos. Relegado para as fímbrias das festas e comemorações onde só é admitido para fazer número, ou se resigna, deixa andar e vota nos do costume, ou vai cair nos braços das franjas radicais da esquerda ou da direita que cavalgam, indecorosamente, as ondas do populismo fácil à conta dos “bandidos e ladrões”.
Os responsáveis principais por estado de coisas são os principais partidos do sistema político: o PSD e o PS. Desde Abril, alternaram, ambos, no governo do país, dos Açores e da esmagadora maioria das autarquias locais. Na Madeira, a alternância não existiu pelo que a direita, que ocupa agora o poder, é a responsável. Os outros partidos do chamado “arco constitucional”, PCP, BE e CDS/PP (este sem embargo do recente colaboracionismo), são marginais ao sistema governativo, ainda que, na maior parte dos casos, padeçam dos mesmos males.
Entre socialistas e social-democratas (no caso da Madeira, entre PPD’s e, ultimamente, alguns PP’s) a administração pública foi tomada de assalto pelos aparelhos partidários, muitas vezes, curiosamente, na base de entendimentos de partilha de pequenos poderes.
Esse acordo, tácito, mas bastante efetivo, estendeu-se ao setor empresarial público e facilitou a submissão da decisão política aos interesses económicos, nacionais ou estrangeiros. Basta analisar a raiz dos casos de corrupção, prevaricação ou simples abuso do poder que diariamente chegam ao nosso conhecimento. E esta é só a face visível do “iceberg”! A “pequena delinquência”, os abusos menores, os “jeitinhos”, as “cunhas”, quase que passam despercebidos, mas são uma realidade quotidiana de quase todas as administrações públicas (incluindo, com bastante evidência, a regional).
Na base desta situação que corrói o fundamento das instituições públicas e conduz à descrença nos valores democráticos e republicanos, está a simples lógica partidária. Como é óbvio, o partido com apoio parlamentar assegurado para garantir a maioria, constitui governo. O líder desse partido designa as pessoas que vão integrar o governo, indicando a respetiva orgânica (pastas).
Era desejável que, neste primeiro momento, para além da óbvia adesão às propostas eleitorais que terão sido sufragadas, imperassem critérios de competência e qualificação. Haveria que atender ao perfil cívico e profissional dos escolhidos. Analisar-se o percurso dos mesmos enquanto cidadãos envolvidos na sua comunidade e avaliar-se o seu desempenho nas atividades desenvolvidas em termos de perceber-se o respetivo sucesso profissional.
Infelizmente, o único critério que parece imperar sobre todos os demais é o da fidelidade. Fidelidade, pura e dura, e de preferência cega. Só interessa a obediência cega, sem qualquer consideração pela preparação, no mínimo, académica, para desempenhar cargos relevantes no aparelho de Estado: a começar por secretário de estado ou regional e por aí abaixo, até aos adjuntos e técnicos especialistas dos gabinetes do governo. A título de mero exemplo e ao nível do Governo Regional, temos um canalizador nomeado como técnico especialista na área da agricultura, uma senhora com o 12.º ano e experiência de rececionista de hotel na área da inclusão e assuntos sociais e muitos outros, cujas habilitações e experiência pessoal e profissional, nunca jamais justificaria a designação para as funções em causa.
Instituiu-se uma nova carreira, paralela às da administração pública: de entusiasta da Jota (PSD ou PS, conforme os casos), o “Boy or Girl“ passa, após endurecimento e provas prestadas em campanhas eleitorais e congéneres, a assessor e, ingressando num gabinete governativo, “the sky is the limit.”
Os jovens com algum jeito para a coisa e sem grandes princípios têm uma recomendação óbvia: apostar tudo nas juventudes dos partidos que estão na área governativa ao nível autárquico, regional ou nacional.
Aqueles que concluem uma qualquer licenciatura e, por via do cartão do partido, conseguem um lugar na administração pública, nacional, regional ou local, vão conseguir, mais tarde ou mais cedo e a mais das vezes em detrimento de gente mais competente, cargos dirigentes onde exibem a sua ignorância e desdenham a populaça, interna ou externa, que interage com os serviços. São esses que, marcando o ponto, também vão ao Chão da Lagoa e a todos os eventos partidários congéneres. Fazem número, mas não são ninguém, em termos de determinar uma ação política que tenha reflexo no futuro da comunidade. A mediocridade está no poder!
São estes os boys and girls do nosso sistema: os que vão a todas as festas e ocupam os lugares da frente dos eventos públicos. Todos somados valem zero, mas ocupam uma data de espaço e, pior, afastam aqueles que poderiam fazer alguma coisa de útil pelo município, pela região ou pelo país!
Enviado por Denúncia Anónima
Sexta-feira, 28 de Julho de 2023
Todos os elementos enviados pelo autor.
Adere ao nosso grupo do Facebook: Ocorrências CM
Segue o site do Correio da Madeira
0 Comentários
Agradecemos a sua participação. Volte sempre.