A ponta do Iceberg


H oje domingo foi dia de missa. Não sou católico praticante, mas como a minha mulher escapou de uma doença letal, acha que foi milagre e por isso, de há uns tempos para cá, vamos assiduamente à missa. Confesso que não desgosto da missa e os poucos minutos que passamos na igreja são momentos de reflexão e de escape de uma sociedade, cada vez mais ingrata e injusta. Nem a propósito, hoje o sermão do Padre foi sobre roubo e corrupção o que me fez escapar um sorriso involuntário, que me mereceu uma cotovelada e um olhar reprovador da parte dela.

No meio do sermão dei comigo a pensar nas pequenas obras que tinha feito lá em casa. Andei meses atrás de um empreiteiro para me reconstruir uma casa de banho cheia de humidade. O objetivo era substituir a louça, os azulejos por mármore e colocar uma banheira de hidromassagem com Wi-FI (que me saiu dos olhos da cara). Chegamos a acordo e para dar início às obras foi-me exigido que pagasse 25% do orçamento. Paguei e fiquei com o recibo da fatura. 

Um mês depois - depois de muitas peripécias e discussões com o empreiteiro - as obras estavam terminadas. Era a altura de fazermos a contas e para minha surpresa o empreiteiro perguntou-me se queria pagar o IVA. O valor do IVA era 5720 euros e como não me apetecia entregar dinheiro ao Estado (para este distribuir depois por subsídio-dependentes) aceitei a proposta. Ele enviou-me uma mensagem pelo WhatsApp com nº de conta de um banco na Holanda e fiz-lhe a transferência por meios eletrónicos. 

Senti-me um criminoso, mas a minha perplexidade centrou-se no facto de um pequeno empreiteiro com a escolaridade mínima ter uma conta num Banco europeu, longe do escrutínio da Autoridade Tributária. Como estava na missa senti-me tão corrupto como o empreiteiro, por isso pedi perdão a Deus na certeza que ele perdoaria o meu pequeno pecado.

O pior veio depois. Comecei a imaginar que a Policia Judiciária podia ter intercetado a transferência bancária e que corria o risco de me entrarem pela porta dentro com um Mandato de Busca pelo crime de fuga ao fisco que cometi.

Depois do “ide em paz e o senhor vos acompanhe” que indicava o fim da missa, saímos e paramos para tomar um café na Rua Fernão de Ornelas. Enquanto tomávamos café, os alegados crimes de Miguel Albuquerque vieram para o meio da conversa. Miguel é acusado de apenas 8 crimes, o que é nada se comparados com os 32 crimes de José Sócrates, o que fazia dele um santo como eu. Se o Miguel tiver sorte, com o prorrogar da investigação, os crimes prescrevem ou tornados nulos pela argucia de bons advogados, ainda volta ao poder.

No meio da conversa, concluímos que se um “zé ninguém” como eu tinha cometido um crime que nunca iria ser descoberto, o Ministério Público nunca irá descobrir toda a verdade sobre as centenas de milhões de euros da corrupção que envolvem os grandes empreiteiros da Madeira.

Depois de sairmos do café e quando entravamos no carro perguntei à minha mulher “tens dinheiro guardado em casa?”. 

Ela sorriu e respondeu “não! Isso é coisa de tontos!”.

Enviado por Denúncia Anónima
Domingo, 28 de janeiro de 2024
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