Um referendo regional que decida o futuro do Presidente do Governo e porque não?


O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira prevê, no seu artigo 9.º, a possibilidade de realização de referendos regionais, nas seguintes condições:

1 - Em matéria de interesse específico regional os cidadãos eleitores na Região Autónoma da Madeira podem ser chamados a pronunciar-se, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia Legislativa Regional.

O "interesse específico regional" é um conceito jurídico-político indeterminado, que - para os mais antigos como eu - foi fartamente utilizado no chamado "contencioso das Autonomias", em que se tentava justificar, de todas as formas e feitios, a necessidade de adaptar à realidade regional a legislação nacional. E com esse contencioso muito dinheiro Guilherme Silva, o advogado do regime, ganhou.

Visto que, muitas vezes e em resumo, os Órgãos da República (Assembleia, Presidente, Governo e Tribunal Constitucional) "obstaculizavam" a acção política dos sucessivos governos de Alberto João Jardim, no entender deste. Daí os sucessivos ataques a Lisboa e ao poder central, além da estratégia política de mobilizar o povo em prol de um "inimigo comum": os cubanos do Continente (os que, suavizando anos mais tarde, "não tinham a Madeira no coração"). 

O Prof. Menezes Cordeiro, da Faculdade de Direito de Lisboa (e o seu mentor "sistémico" alemão, Klaus W. Canaris) sempre defendeu que  "Direito é caso concreto". Só se realiza, na sua plenitude, perante as situações concretas em que é chamado a intervir, sem as quais as leis não passam de peças de literatura. Tal como a nossa Constituição, tão boa, tão boa, que praticamente ninguém aplica e que poucos conhecem.

E são, precisamente, os casos e situações concretas que nos obrigam a preencher os conceitos jurídicos indeterminados.

Toda a acção política tem por base que lhe subjaz uma estrutura jurídica. Por outro lado, essa realidade jurídica é dinâmica, havendo, algumas vezes, que usar uma certa criatividade para se ultrapassar os impasses que surgem na vida colectiva. Do mesmo modo que um jurista tem de ser criativo quando tenta conciliar princípios aparentemente contraditórios. Mas aqui nem de contradição se trata. Senão vejamos:

É, manifestamente, do interesse específico regional (de todos os cidadãos eleitores e residentes na Madeira, menos um... no caso o "visado" e "aviado") que este impasse político [derivado: a) da inexistência de um orçamento aprovado - já estamos a meio do ano - b) de um programa de governo cuja apresentação foi adiada para evitar um chumbo; c) e de um governo em gestão, que nada de estruturante decide] seja resolvido.

Por outro lado, a matéria (regional) em apreço está perfeitamente identificada: a incompatibilidade de apoio a um governo liderado pelo presidente do partido minoritário mais votado em 26 de Maio. Algo que não acontece em mais nenhuma parcela do território lusitano.

Nem o representante da República foi respeitado (quando lhe disseram existir um entendimento parlamentar estável que sustentasse o governo), nem faz nada em razão duma alteração, objectiva, das circunstâncias.

Nem outros Partidos se entenderam, até agora, na organização de um governo alternativo (aquela precipitação de Élvio foi, por sinal, rejeitada pelo predito representante de Marcelo).

Da "matéria de facto" verificamos ainda que há Partidos que querem apoiar o programa de governo e aprovar o orçamento para... 2024 (!) mas debatem-se com uma contradição aparentemente insanável: na campanha eleitoral disseram: "com Albuquerque não", mas, apoiando-o, defraudam a maioria do eleitorado que disse não pretender ter como líder da Madeira um (efectivo) arguido num processo de corrupção e de crimes contra o Estado (do qual é, pasme-se, Conselheiro).

Esta opção que se apresenta, pela primeira vez, no espaço público - a realização de um referendo regional em que se decida a continuidade, ou não, de Miguel Albuquerque como presidente do governo - é uma forma dos Partidos tentarem (ainda) "salvar a face", a não ser que, tal como José Manuel Rodrigues, coloquem os seus interesses pessoais (e patrimoniais) à frente das expectativas do eleitorado que os elegeu.

Por outro lado, a nível nacional (cujos dirigentes não têm sabido como lidar com a "questão madeirense"; ou, pior, que a ignoram como verdadeiras "avestruzes") a via do Referendo regional seria uma forma de (neste "mundo de sombras") camuflar as (mal escondidas) divergências internas, dizendo ao eleitorado aquilo que este gosta de ouvir: "vamos dar a palavra ao Povo".

Pois que não é possível (a PSD e CHEGA) afirmar a sua determinação em combater a corrupção e fazer da Madeira uma "Zona Franca" nesta área ("ária", melhor escrevendo, no caso desta "´ópera bufa").

Também em matéria de facto temos, irremediavelmente, um ano perdido, em que pouco ou nada produtivo tem sido feito em prol do bem comum. Com os deputados a gozar (o Povo e as) férias, pouco mais de 2/3 meses úteis haverá para que se trabalhe numa solução em que o governo deixe de estar em gestão. A não ser que, qual Judas, Miguel Castro "se venda", em definitivo, na próxima segunda-feira, ao PSD.

Relativamente a custos (como se isso fosse preocupação de muito boa gente...), as despesas com um referendo serão obviamente menores que as da marcação de um novo acto eleitoral; nem os partidos serão obrigados a apresentar listas (e custos de logística acrescido, em especial os que não têm "jack-pot") nem o povo terá de aturar mais campanhas eleitorais e arruadas. Afinal, ninguém estragar os arraiais de Verão dos madeirenses, não é verdade?

Na Suíça, por exemplo, são inúmeros os referendos realizados ao longo do ano, salvo erro quinzenalmente, com perfeita naturalidade e em resultado de uma consciência comunitária esclarecida. Na boa linha do princípio que já vinha numa das Ordenações da Monarquia Portuguesa: "aquilo que a todos toca por todos deve ser decidido".

Na Madeira ainda não se realizou nenhum referendo, o que faz do artigo 9.º do Estatuto Político Administrativo, até agora, uma "letra morta".

Nesta medida, todos aqueles que podem determinar a alteração deste "estado de coisas" têm agora a oportunidade de, perante este "impasse específico regional", mostrar se desejam dar vida a este instrumento jurídico-político referendário ou continuar a  mantê-lo enterrado e escondido.

Para aqueles que gostam de complicar e questionar os "exatos termos" da pergunta a levar a referendo, fica desde já a sugestão:

"Considerando todo o impasse político verificado na Região, pretende a continuidade de Miguel Albuquerque como presidente do (minoritário) governo regional?" "Sim" ou "Não" são as únicas opções no boletim de referendo.

Seria curioso ver se o número de votantes do PSD nas últimas legislativas regionais seria superior ou inferior ao "Sim" a Albuquerque. E, outrossim, se veria o peso das "facções" laranja apaniguadas de Alberto João ("voz dos oligarcas dos patos bravos", que, expressamente, já veio a público pedir a substituição de Albuquerque) e de Manuel António (idem num post de Facebook).

É também curioso que o apregoado "especialista" do Estatuto Político-Administrativo da Madeira", e sócio da ABREU Advogados (que recebeu uma avença de 50.000 da presidência do governo) tenha omitido da opinião pública esta outra possibilidade jurídica de resolução deste impasse político regional. Mas compreende-se que Ricardo Vieira quisesse voltar a ter protagonismo político, ao acompanhar a deputada "auto-sexy" do seu partido nas "negociações-fantoche" com os "irmãos Metralha" do PSD.

A título pessoal, manter um orçamento de 2023 em duodécimos significa que a despesa não aumenta (ou seja, não nos podem ser cobrados mais impostos, taxas, taxinhas e taxonas), pelo que a inflacção para as nossas carteiras não existe do lado público, só do lado dos privados. Mas este expediente (justificável perante governos que aumentaram a nossa dívida pública), utilizável "in extremis", não fará sentido para quem tentar olhar para o futuro com esperança e numa perspectiva positiva.

Este artigo é escrito sob anonimato, apenas por uma simples razão: para que quem o leia se preocupe, unicamente, com a mensagem em si e não com o a pessoa do seu autor. Mas pode ficar com uma certeza: eu sou dono da minha própria voz, jamais a "voz de um dono", muito menos de um qualquer abjecto oligarca.

Se concordar com a ideia e não quiser ficar no conforto do seu sofá ou enquanto espera por mais um jogo da selecção nacional do "Ruca Martinez", consulte o site da assembleia regional onde constam os e-mails de todos os deputados e grupos parlamentares e, não querendo acrescentar mais nada, faça seu este meu texto. 

Discutir ideias nunca fez mal a ninguém, excepto aos partidários da "uma só via, a social-democracia" ou do pensamento "unitário" comunista (dos velhos tempos do PREC e da "unicidade sindical). 

Saudações do "El Ganso"
(o "terror, sem descanso, de muito corno manso") 

Enviado por Denúncia Anónima
Quinta-feira, 27 de junho de 2024
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