Assédio sexual e cultura de poder na Madeira: um espelho do caso Boaventura Sousa Santos


O recente caso de Boaventura Sousa Santos, uma das figuras académicas mais proeminentes de Portugal, trouxe à tona uma das questões mais graves e ainda silenciadas da nossa sociedade: o assédio sexual nas instituições de poder. Denúncias de abuso por parte de estudantes e colegas abalaram a reputação do sociólogo e expuseram a cultura de impunidade que tantas vezes protege os poderosos. Esta história tem um ponto de origem em Coimbra, mas os seus ecos são sentidos em todo o país – incluindo na Madeira, onde a questão do assédio sexual continua a ser um tabu perigoso.

Na Madeira, uma ilha onde a cultura ainda carrega o peso de uma educação profundamente machista e misógina, as estruturas de poder permanecem predominantemente moldadas para servir interesses masculinos – mesmo quando, à superfície, se preza a inclusão e a igualdade de género. As mulheres que chegam a cargos de liderança muitas vezes enfrentam um duplo desafio: por um lado, têm de provar constantemente o seu valor num ambiente que as subestima; por outro, não raras vezes, o seu percurso ascendente é questionado, não pela qualidade do seu trabalho, mas pela suspeição de favores, influências ou redes de poder pouco transparentes.

O machismo estrutural da Madeira coloca as mulheres num ciclo perverso: se não chegam a lugares de destaque, é porque não são "capazes"; se chegam, é porque alguém "as colocou lá". Esta mentalidade é particularmente perigosa porque mina qualquer progresso genuíno e, ao mesmo tempo, protege os homens que perpetuam comportamentos abusivos, sejam eles explícitos ou dissimulados.

É impossível não perguntar: como é que algumas pessoas chegam a lugares de liderança quando as suas competências ou ética deixam muito a desejar? Aqui, entram os fatores de conveniência e de manutenção de redes de poder – fenómenos que, tristemente, não são exclusivos da Madeira, mas que na ilha parecem ter uma intensidade peculiar. O pequeno círculo de influência, onde quase todos se conhecem, cria um ambiente propício para que escolhas de liderança sejam feitas com base em lealdades pessoais ou interesses políticos, e não no mérito ou na competência.

O caso Boaventura é uma lembrança poderosa de que, por detrás da fachada de meritocracia e prestígio, há dinâmicas de poder profundamente problemáticas que, quando não são confrontadas, destroem vidas e carreiras. Na Madeira, os paralelos são claros: os relatos, ainda tímidos, de assédio em instituições públicas ou privadas raramente resultam em consequências para os culpados, e muitas vezes as vítimas são empurradas para o silêncio por medo de represálias ou vergonha.

O caminho para mudar esta realidade exige coragem, não só das vítimas, mas de toda a sociedade. É urgente criar mecanismos que assegurem que as denúncias são levadas a sério e que protejam quem tem a coragem de falar. Mais importante ainda, é fundamental mudar a cultura de base: educar para a igualdade, desconstruir os papéis de género enraizados e acabar com o velho hábito de desculpabilizar os abusadores enquanto se questiona o caráter das vítimas.

A Madeira não precisa apenas de mulheres em cargos de liderança; precisa de mulheres – e homens – em cargos de liderança que sejam éticos, competentes e que se comprometam com uma cultura de respeito e inclusão. Até lá, cada caso como o de Boaventura é um lembrete de que temos um longo caminho a percorrer.

Como Identificar Abuso Sexual no Trabalho e o Que Fazer

Reconhecer o abuso sexual no local de trabalho é o primeiro passo para combatê-lo. Muitas vezes, comportamentos abusivos são mascarados como “brincadeiras” ou “mal-entendidos”, mas é crucial saber identificar sinais de abuso, que podem incluir:

  • Comentários Inapropriados: Insinuações de teor sexual, piadas constrangedoras ou comentários sobre o corpo ou aparência de alguém.
  • Avanços Físicos Não Solicitados: Toques, abraços, beijos ou qualquer forma de contacto físico sem consentimento.
  • Propostas ou Ameaças: Situações em que favores sexuais são solicitados em troca de promoções ou benefícios, ou quando a recusa resulta em retaliações.
  • Ambiente Hostil: Cultivar um ambiente onde imagens, conversas ou comportamentos sexualizados intimidam ou humilham alguém.

Se uma pessoa identificar ou experienciar abuso sexual no trabalho, aqui estão os passos a seguir:

  1. Documentar Incidentes: Anotar datas, horas, locais e detalhes de cada episódio, incluindo o nome de qualquer testemunha, para criar um registo detalhado do que ocorreu.
  2. Informar os Recursos Humanos: Reportar o comportamento à gestão ou ao departamento de Recursos Humanos, de preferência por escrito, para garantir que a denúncia fique registada formalmente.
  3. Procurar Apoio Legal: Consultar advogados ou associações especializadas em direitos laborais e igualdade de género. Na Madeira, associações como a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) podem ajudar.
  4. Partilhar com Redes de Apoio: Conversar com amigos, família ou colegas de confiança para obter apoio emocional e prático.
  5. Denunciar às Autoridades: Se o comportamento constituir crime, como assédio persistente ou agressões físicas, denunciar às autoridades competentes, como a PSP ou a GNR.

Mais importante, é essencial lembrar às vítimas que o abuso nunca é culpa delas e que pedir ajuda é um ato de coragem. Instituições devem ser espaços de segurança e respeito, e é responsabilidade de todos contribuir para uma cultura de tolerância zero ao abuso sexual no trabalho. Este texto destina-se, essencialmente às mulheres madeirenses que sofrem diariamente este tipo de assedio e nem o reconhecem como tal. Vocês tem o poder de se defenderem e dizer não.

Enviado por Denúncia Anónima
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
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