Endogamia Académica e Institucional: o desporto nacional português


Esse fenómeno misterioso e fascinante, quase um desporto nacional, onde o verdadeiro mérito não é o currículo, mas sim o sobrenome, a rede de contactos ou, idealmente, ambos.

P ara os menos familiarizados, a endogamia académica é aquela tradição nobre em que um estudante brilhante, depois de anos a bater com a cabeça nos livros, percebe que o segredo para conseguir um bom cargo na universidade não é publicar artigos de qualidade, mas sim estar no círculo certo de orientadores e colegas. O doutorando esforçado que sonha em ser professor descobre rapidamente que a sua maior falha foi nascer fora da linhagem académica correta. Pobrezinho.

Nas universidades, a coisa segue um ritual quase religioso: um professor orienta o seu aluno de mestrado, que depois faz o doutoramento com ele, e que por sua vez entra como assistente na mesma universidade. Anos mais tarde, este aluno-orientado transforma-se no novo professor que, por coincidência (ou não), acaba por contratar e promover… os seus próprios alunos! Um ciclo maravilhoso de “olha quem é que ficou com a vaga!”.

Nas instituições públicas, o processo é semelhante, mas com um toque ainda mais artístico: concursos públicos feitos à medida, onde já se sabe quem vai ganhar antes mesmo de abrirem as candidaturas. As exigências do cargo são moldadas para um perfil tão específico que só o sobrinho do chefe ou a prima da diretora se encaixam. Coincidências felizes da vida!

E claro, há sempre aquele pequeno detalhe da “mobilidade interna”, um conceito engenhoso que permite que alguém seja contratado sem concurso público, porque, afinal, já estava lá dentro. Uma maravilha da gestão de recursos humanos, onde o talento externo é sempre uma ameaça e deve ser mantido à distância.

Mas atenção! Tudo dentro da legalidade, obviamente. Afinal, ninguém quer ver a palavra “nepotismo” a circular por aí. O termo correto é “continuidade académica” ou “valorização da experiência interna”. E quem somos nós para questionar tamanha eficiência na gestão de carreiras?

Portanto, se estás a pensar fazer carreira numa universidade ou numa instituição pública, esquece os currículos pomposos e os artigos científicos inovadores. O que interessa é cultivar as relações certas, frequentar os jantares certos e, com sorte, nascer na família certa.

E depois há o caso das “trocas de favores” entre instituições. O chefe da universidade A arranja um cargo para o filho do colega da universidade B, e, por milagre, o seu próprio filho consegue um lugar na universidade B. Coincidência ou uma versão sofisticada da velha prática de "trocar cromos"? Quem somos nós para julgar?

Claro que há sempre aqueles chatos que falam de meritocracia e transparência, mas sejamos realistas: um país pequeno como o nosso não pode dar-se ao luxo de desperdiçar bons genes. E se já sabemos que aquela pessoa vem de uma linhagem de professores, diretores ou chefes de departamento, para quê arriscar contratar um desconhecido? Mais vale manter tudo em família.

E no final do dia, todos saem a ganhar – menos, claro, aquele pobre coitado que estudou, trabalhou e achava que ia entrar por mérito próprio. Mas também, se fosse mesmo esperto, já tinha arranjado um padrinho.

Enviado por Denúncia Anónima
Sábado, 15 de março de 2025
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