Graffities são como a massificação do turismo.
O s espaços públicos e as paredes degradadas não se recuperam com graffitis. Recuperam-se com cuidado, com investimento e com sentido de pertença. O graffiti, "spray" que tantos querem ver como símbolo de modernidade ou expressão artística é, na verdade, uma questão de responsabilidade coletiva. Não se confina, não se controla, e raramente se limita aos muros “autorizados”. A experiência de tantas cidades pelo mundo mostra como começa com “murais artísticos” e termina com cada esquina, cada fachada, cada equipamento urbano manchado por tinta. A disputa do lugar chega ao inimaginável, vagões de comboios, autocarros, bancos de paragem, carros, viadutos, zonas excusas onde se percebe que a ausência de pessoas atrai os "artistas", etc.
Quem viaja e observa sabe, em muitas cidades, mesmo as que se orgulham de cultura e cosmopolitismo, o graffiti acabou por tomar conta de tudo, das paredes aos sinais de trânsito, das portas de garagens aos bancos de jardim. E a paisagem, antes harmoniosa, transforma-se num caos visual. É esse o caminho que não devemos permitir que a Madeira siga. Porque aqui, ao contrário de muitos lugares, ainda se pode andar por ruas limpas, ainda se pode ver o traço arquitetónico sem o ruído da tinta, apesar do exagero de betão que aquece principalmente o Funchal com falta de cobertura vegetal, com frondosas como já li que deem sombra.
O erro de muitos ditos “artistas urbanos” é confundir liberdade com ausência de regras. Graffiti, na sua origem, foi um grito de marginalidade, um protesto contra o sistema. Mas o que hoje se vê é, muitas vezes, um gueto de vaidades, um território onde se pinta à revelia, sem respeito pelos outros nem pelo bem comum. Se é arte, que se faça como todas as outras formas de arte: em suportes próprios, com contexto, com responsabilidade, e com um propósito que vá além da simples marca de presença. Arte não é ato de posse, é gesto de partilha, e quem pinta sobre o que é de todos, sem autorização, não partilha: impõe.
Aqui ressalvo a autorização dada junto à praia do vigário, e o respeito dos artistas em espaço próprio, mas ressalvo que ainda por cima numa praia que precisamos de harmonia e não impacto. A praia é relaxamento e não agressão.
Durante algum tempo observei o que um só artista andou a fazer no Funchal, começou nas caixas das empresas de comunicação, depois passou a portas e paredes. Não foi um caso isolado, foi um sintoma. Até que alguém pôs fim à vaga. E esse “fim” não veio por censura, mas por saturação. Quando o abuso substitui a criatividade, a própria comunidade reage. Foi num tempo "hibrido", agora com tantos estrangeiros aqui, não façam ignição. Estão a brincar com o fogo assim como Eduardo Jesus brinca com a insustentabilidade e os precedentes que estão a arruinar o turismo.
Nas minhas voltas de manutenção e observação pela cidade (Funchal), vou reparando nos lugares que mudam, nos que resistem e nos que se perdem. E o que mais me entristece é ver espaços degradados serem “pintados” não para melhorar, mas para disfarçar o abandono, só a Rua de Santa Maria mostrou bom senso, mas isso é porque tínhamos João Carlos Abreu. O graffiti posterior ou noutros lugares, não é arte, é o "verniz do desleixo". É o retrato de duas falhas, a do governo/autarquia, que não cuida, e a do cidadão, que não respeita.
Sim, reconheço que há exceções, há murais que realmente embelezam, que contam histórias, que educam o olhar. Mas esses nascem do diálogo, não da imposição. Têm contexto, têm intenção, e muitas vezes são parte de projetos educativos ou culturais que envolvem a comunidade. Esses sim, são bem-vindos, porque elevam o espaço público em vez de o degradar. Normalmente vemos em grandes fachadas de prédios sem janelas, varandas, só parede lisa e inútil visualmente. Mas o que não se pode confundir é a exceção com a regra. A regra, infelizmente, é o caos cromático das paredes riscadas, a ausência de limites, o desrespeito pelos espaços comuns. E quando o espaço público se transforma num suporte de desordem, é o próprio civismo que se dissolve.
Não façam ignição, os espaços públicos degradados devem ser alvo de reabilitação, murais são outra coisa, como se viu nos prédios limítrofes da ribeira de João Gomes, no estacionamento, nos bombeiros e na Rodoeste.
Os direitos de expressão não podem atropelar os direitos de quem quer viver num espaço limpo e digno. O muro que é de todos não é tela de ninguém. O espaço urbano é uma casa coletiva, e ninguém tem o direito de pintar as paredes da casa comum sem consentimento. Sei que não foi o caso de Câmara de Lobos, mas cuidado com a ignição. O lugar deveria ser outro e sem experimentalismos.
Não se trata de ser contra a arte, trata-se de ser a favor da beleza partilhada, da responsabilidade cívica e da harmonia visual que faz da Madeira um lugar singular. Quem quiser pintar, que pinte com alma e com sentido, mas que o faça em lugar próprio, onde a arte possa ser contemplada com respeito, e não confundida com vandalismo que por ventura livra governantes de falhas.
O espaço público, esse bem precioso e comum, deve ser o reflexo do melhor de nós, não o palco do desleixo dos outros.


 
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