Educação Física da Gramática


Há livros que marcam uma geração. E há outros que marcam apenas o ego do autor. O recém-lançado Educação — Um Compromisso de Sucesso pertence à segunda categoria: uma obra que, antes de ser lida, já é um monumento à ironia nacional.

O autor, um antigo professor de Educação Física convertido em apóstolo da pedagogia, apresenta-se como o homem que vai salvar o ensino. É uma transformação digna de nota: de apito ao pescoço a guardião das letras, de cronómetro na mão a filósofo do sucesso escolar.

Não é milagre; é política.

Diz-se que o livro defende a “excelência” e a “inovação educativa”. Dois conceitos que, na prática, se traduzem em mais relatórios, mais planos estratégicos e menos alunos a lerem sem tropeçar.

A prosa é densa pela quantidade de chavões. É uma obra onde cada frase soa como um power point em sofrimento: “educação inclusiva”, “novas competências”, “cidadania global”... tudo embrulhado num discurso tão polido que escorrega.

Há quem questione se o autor escreveu mesmo o livro. A dúvida é legítima: se em cada conferência pública é difícil ouvir um parágrafo com lógica, como esperar 200 páginas coerentes?

Mas talvez seja esse o segredo — transformar a incoerência em política educativa.

O mais curioso é que este “compromisso com o sucesso” acontece num lugar onde ainda há crianças que saem da escola sem saber ler, e jovens que confundem um teclado com um teste. O liceu Jaime Moniz.

E assim se escreve um livro sobre o triunfo da educação, num território onde o sucesso ainda é uma hipótese teórica.

Há quem diga que a política é a continuação da educação por outros meios. E, vendo certos autarcas, talvez seja mesmo: a diferença é que agora dão notas à população inteira. O antigo professor de Educação Física Jorge Carvalho, que se reinventou como guardião das letras e, agora, como presidente de uma cidade inteira, é o símbolo perfeito do nosso tempo — o triunfo da retórica sobre o conteúdo, da aparência sobre a substância.

O seu (ou talvez não escrito por si propriamente) livro, Educação — Um Compromisso de Sucesso, parece ser um monumento à pedagogia do vazio. É o manual perfeito para quem quer falar meia hora sem dizer nada e ainda parecer inspirado. Frases redondas, parágrafos que não vão a lado nenhum e chavões suficientes para encher uma conferência de imprensa. O mais impressionante é que, depois de anos a falar de sucesso, a sua principal conquista parece ter sido transformar a gramática em exercício de alongamento.

Agora, sentado na cadeira do poder municipal do Funchal, o antigo treinador da motivação continua fiel ao seu método: muita conversa sobre “valores” e “estratégia”, pouca prática, e uma resistência admirável a qualquer coisa que exija lógica. A cidade, como os alunos de outrora, ouve, acena e espera que o toque de saída chegue depressa. De preferência no carro da policia judiciária.

Enquanto as estatísticas da educação continuam a mostrar que há jovens incapazes de ler um jornal até ao fim, o nosso herói de fato e gravata prefere citar o seu próprio livro — como se a retórica substituísse o conhecimento e o marketing fosse sinónimo de governação.

Chamam-lhe líder. Talvez com razão: lidera o pelotão da autoconfiança sem causa.

E, no fundo, isso é a versão moderna do sucesso — falar muito, dizer pouco.

Dizem que a educação é a base de tudo e, olhando à volta, percebe-se logo o problema da fundação. O antigo professor de Educação Física que virou teórico da pedagogia e depois político profissional é hoje o retrato vivo da ascensão sem conteúdo: muito verbo, pouca sintaxe.

Agora, à frente da cidade, aplica o mesmo método: governa como quem dá uma aula de aquecimento, muita movimentação, pouco avanço. E, entre discursos sobre inovação e estratégia, o essencial fica sempre fora do plano.

No fundo, é coerente. Sempre defendeu o sucesso, o dele próprio.

Quem será que escreveu e recebeu para escrever este livro, pergunto-me eu???