Princípios e pragmatismo, no mundo e na Madeira


A minha vontade é explorar porquê? Se adivinhar quem me motiva a escrita guarde para si.

Q uero falar de um aspecto muito sensível e recorrente da política: a tensão entre os princípios e o pragmatismo. A decisão de um político, aparentemente bem formado e com discurso ético de apoiar um concorrente com reputação duvidosa pode parecer uma traição à própria trajetória e, muitas vezes, é interpretada assim. Que razões recorrentes levam a que isso aconteça, há exemplos.

Mas comecemos pelas bases, o pragmatismo eleitoral / realpolitik. Às vezes, a única maneira de evitar que um adversário ainda pior vença é apoiar um candidato mais viável, mesmo que esse candidato seja eticamente questionável. Isso resume-se à ideia de "o mal menor". Foi isso que aconteceu na Madeira? É a oposição que tem má imagem ou não levanta cabeça com a conjuntura criada por 50 anos de poder? Vejo um à vontade para escrutinar a oposição e desvalorizar ou ignorar o poder.

Os partidos muitas vezes decidem alianças com base em estratégias eleitorais, distribuição de poder ou sobrevivência institucional, o que pode forçar indivíduos a apoiarem nomes que não escolheriam por conta própria. Dentro da própria casa fica mais fácil de se perder os princípios? Anotei.

Alguns políticos fazem concessões para manter ou ganhar espaço em governos, ministérios/ secretarias ou bancadas parlamentares. É um cálculo de influência: "é melhor estar dentro e tentar mudar algo do que ficar fora e não influenciar nada". É sempre ou há quem decida apoiar e se manter fora?

Um político pode ver seu próprio projeto político ameaçado se não acompanhar um movimento mais amplo, mesmo que isso envolva engolir sapos. É daqui que nascem as negociações nos bastidores e as chantagens? Que chantagens podem fazer dentro do mesmo partido? Às vezes, alianças inesperadas envolvem promessas, favores ou até ameaças. A política é cheia de acordos de bastidor que o público não vê.

Por exemplo, Bernie Sanders apoiando Hillary Clinton (2016). Bernie representava o socialismo democrático e atacava Hillary como parte do establishment político. Ainda assim, após perder as primárias, apoiou sua candidatura. O motivo foi barrar a eleição de Donald Trump, considerado um risco institucional enorme. Muitos seguidores de Bernie ficaram decepcionados. Na Madeira estava assim tão mau?

Novo exemplo, o apoio do Partido de Centro a Hitler (1933). O Partido de Centro católico, moderado, deu apoio parlamentar a Hitler em troca de garantias de liberdade religiosa e respeito à Igreja. Hitler aceitou e rapidamente traiu. Felizmente para alguns, o centro católico na Madeira tem outra sorte... Mas esse apoio teve por motivo o medo do comunismo e desejo de estabilidade. O resultado foi um desastre histórico. Que o nosso bispo reze muito por nós, isto é tão parecido...

Essas decisões quase sempre geram desilusão e perda de credibilidade, mas do ponto de vista de quem as toma, são frequentemente vistas como escolhas duras em contextos extremos, e não como traições deliberadas. A linha entre pragmatismo e conivência é ténue e os eleitores, com razão, cobram a coerência. O que vale tanto para alguém se queimar para todo sempre?

Há exemplos portugueses, pelo menos eu acho. Por exemplo António José Seguro vs António Costa (PS, 2014). É um caso um pouco diferente, mas é importante para entender como valores e princípios às vezes são engolidos por uma estratégia ou poder interno. Lembram-se? António José Seguro era líder do Partido Socialista (PS) após a derrota do partido em 2011. Era visto como um político sério, ético, institucional, mas moderado, sem grande carisma. Nas eleições Europeias de 2014, o PS venceu, mas por margem menor que o esperado. António Costa, então presidente da Câmara Municipal de Lisboa e também uma figura respeitada, decidiu desafiar Seguro pela liderança do partido, mesmo depois de ter afirmado que não o faria. O que fez mudar Costa? Apoios inesperados, de pessoas que antes defendiam lealdade institucional e o fortalecimento de Seguro. É claro que gerou forte desilusão entre militantes, viram na disputa o uma traição política dentro do próprio partido. Mas houve eleições e o desafiador ganhou. Qualquer um daquele partido ganha na Madeira e é por isso que não há internas para gente melhor? Talvez não, no PS, parte do partido acreditava que Seguro não tinha força para derrotar a coligação PSD/CDS em 2015. O que me leva a pensar que se o líder do PSD era o 4º mais popular dentro do seu partido, com os outros haveria maioria absoluta sem espinhas?

A ala mais pragmática acreditava que Costa tinha mais “estofo” político e capacidade de negociar. Costa vence as primárias internas e, no ano seguinte, torna-se primeiro-ministro de Portugal, formando uma solução inédita: a "geringonça" com apoio do BE e PCP.

A própria “Geringonça” é um caso emblemático (2015). Depois das eleições legislativas de 2015, a coligação PSD/CDS (PaF) venceu em votos, mas sem maioria absoluta. O PS, liderado por António Costa, fez acordos com o Bloco de Esquerda e o PCP, algo que parecia impensável até pouco tempo antes, especialmente com os comunistas, tradicionalmente hostis ao PS. Por cá não existe causas fracturantes 50 anos depois?

Mas o momento não se livrou da desilusão, porque muitos viram nessa "inovação" como õ abandono de princípios moderados, uma guinada à esquerda por oportunismo. Havia ceticismo nos setores mais centristas e liberais dentro do próprio PS. No entanto, a aliança governou com estabilidade por vários anos. O líder fez a diferença? Talvez o pragmatismo institucional e a ideia de ninguém poder falhar na oportunidade, para formar governo e impedir nova austeridade com a direita. Até se testou uma nova forma de maioria parlamentar sem coligação formal.

Assim vemos como princípios podem ser relativizados em nome da viabilidade política, mas ninguém esquece as veemências. Os apoios inesperados surgem muitas vezes por cálculo de poder, não por identificação ideológica. Fico a pensar qual foi o ganho de alguns. A reação pública é sempre um risco, pode haver desilusão, mas também compreensão, se o resultado for positivo. É isso que vamos ver...

Estamos todos a ver ...

Enviar um comentário

0 Comentários