Anatomia de uma queda


Comecemos com um conceito básico: para cair, basta estar de pé.

D e formos à etimologia da palavra, o Priberam define queda como tombo, perda de influência ou de poder, ruína, perdição moral, inclinação, declive, quebrada ou, até mesmo, informalmente, como a capacidade ou propensão de uma pessoa para fazer ou ser excelente em algo: aptidão, tendência, vocação.

A estes significados, e em determinados contextos, acresce um conjunto de fatores: a altura da queda, a força do impacto e a perceção de que se está a cair, e, com ela, a capacidade de reagir.

E é precisamente em plena letargia, estatelado no chão, que se encontra o PS-Madeira: incapaz de reagir, de perceber os tempos, a atualidade e, sobretudo, de entender que sem pessoas não se erguem projetos, não se constrói futuro.

Persistir na estratégia de aniquilar todos aqueles que, tendo voz, a usam para manifestar opiniões, gerar debate ou até discordar de certas opções e estratégias, é virar costas à democracia, e àquilo que, juntos, deveríamos defender.

É também negar a pluralidade de ideias dentro de uma estrutura que, por definição, deveria representar a diversidade social e ideológica do seu eleitorado. O PS-Madeira não caiu apenas por forças externas ou pelas habituais armadilhas do jogo político regional. Caiu, acima de tudo, por dentro, implodiu pela sua incapacidade de lidar com a diferença, pela obsessão em controlar narrativas internas e pela preferência por fidelidades cegas em detrimento de competências reais.

Neste cenário, assistimos à substituição do mérito pela obediência, do debate pela imposição, da visão estratégica pelo imediatismo tático. As consequências estão à vista: perda de relevância política, afastamento das bases e uma liderança cada vez mais distante, enclausurada num casulo de autojustificação. Quem teme a divergência, teme a mudança, e quem teme a mudança, está condenado a ficar para trás.

É, por isso, fundamental substituir quem continua a corroer o PS-Madeira por dentro e abrir caminho a pessoas íntegras, com verdadeira capacidade de liderança. Se o PS não for capaz de mobilizar já a sociedade civil e atrair os melhores dos melhores para desenvolver um projeto de alternância governativa, faz ainda sentido que exista na Madeira? Como é possível que, em 48 anos, nunca tenha cultivado uma verdadeira cultura de poder?

Mas um homem só não cai sozinho. Há muito tempo que vários cães de fila se agarram ao osso putrefacto, alimentando a decadência e alimentando-se do PS-Madeira. É tempo de fazer uma limpeza séria na direção. De deixar partir quem não está por bem, e que é apenas movido por um impulso de controlo absoluto, à imagem de um pequeno ditador da Figueira.

É urgente termos uma liderança com coluna vertebral, cuja competência se imponha a qualquer caso amoroso ou laço familiar. Alguém com mão firme na gestão do partido e coragem para enfrentar os parasitas instalados na sede, que inexplicavelmente sobrevivem às dificuldades financeiras provocadas pelos sucessivos desastres eleitorais e devaneios de grandeza.

Também no Funchal, é tempo de mudança. São necessárias pessoas verdadeiramente comprometidas com o crescimento das estruturas e focadas na capacitação dos militantes. Para isso, é essencial que quem lidera tenha rumo, inteligência para traçar uma visão estratégica e humildade para unir, não afastar.

Não basta apelar à mobilização em vésperas de eleições, é preciso envolver, formar, ouvir e respeitar quem dá a cara todos os dias, muitas vezes sem reconhecimento. São os militantes que ligam o partido à rua, às pessoas reais, às suas angústias e esperanças.

Todos, sem exceção, devem estar preparados para o próximo combate autárquico. E só com todos se pode construir caminho. Vou repetir: só com todos se pode construir caminho.

Não é preciso ver muitas fotografias para perceber que a ausência de militantes nas ruas, nestas últimas eleições, foi gritante. E isso não aconteceu por acaso.

Que se chame à responsabilidade o capataz da sede que, nos últimos tempos, se dedicou a ostracizar tudo e todos. Que a sua arrogância e malícia sejam finalmente penalizadas.

Mas também já chega de repescar as múmias de sempre, a Norte e a Sul da ilha. O que está gasto, gasto está. Que seja o tempo para dar lugar aos mais novos e assim construir mais futuro. Que seja o tempo para dar oportunidade para que exista futuro.

Dito isto, uma queda não tem de ser o fim, pode ser o ponto de viragem. Desde que haja coragem para encarar o chão, reconhecer os erros com honestidade brutal e reconstruir com base no que realmente importa: as pessoas, os valores e a vontade de servir, e não de se servir.

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