Entre o paraíso prometido e o inferno das massas


P ensei se deveria escrever isto. É que as pessoas não se importam, o governo é ainda pior, os jornais só vendem estrelas na governação e não se vê, na mesma, o obséquio de publicar o que a oposição diz. Depois a maioria vota em interesses obscuros. Mas vamos a isso.

A Madeira tem sido, há décadas, um destino turístico de excelência. Natureza exuberante, clima ameno o ano inteiro, segurança, gastronomia e hospitalidade, a equação perfeita para o sucesso. Mas o arquipélago está agora a viver o dilema de muitos destinos mundiais: a transição (ou rendição) ao turismo massivo. Pessoalmente, eu que vivo numa zona com hotéis, antigamente faziam-me sentir no estrangeiro e encarava-os com simpatia, agora não, são abusadores e rascas (na minha zona vejo-os nos estacionamentos, no supermercado, etc). A propósito, agora as rent-a-cars reescreveram o código e regras de trânsito? Parece que sim, para me defender nas rotundas sou obrigado a fazê-las sempre por fora, não mudo de faixa... não sou perdedor com a polícia e nos seguros.

Eduardo Jesus começa a irritar com a sua negação, a escolha (não admitida) pelo Turismo Massivo. Oficialmente, o Governo Regional insiste em falar de “turismo sustentável”, “turismo de natureza” e “segmentos de qualidade”. Mas, na prática, os números contam outra história:

  • Recordes sucessivos de passageiros no Aeroporto da Madeira.
  • Explosão de alojamentos locais em zonas residenciais.
  • Criação de novos hotéis a ritmos vertiginosos, inclusive em áreas sensíveis.
  • Promoção agressiva do destino nos mercados internacionais de baixo custo.

Tudo isto aponta para uma estratégia baseada em volume, não em valor. Uma aposta deliberada em atrair mais visitantes, mesmo que à custa da qualidade de vida dos residentes e da sustentabilidade ambiental. Pessoalmente, já sinto que poucos andam satisfeitos e vai piorar. Há consequências!

  • Pressão Imobiliária e Descaracterização Urbana
  • O crescimento do Alojamento Local empurrou os residentes para fora dos centros históricos e dos bairros tradicionais.
  • Os preços das rendas disparam e muitos madeirenses já não conseguem viver onde nasceram.
  • Sobrecarga de Infraestruturas
  • Trilhos naturais, levadas e miradouros tornaram-se congestionados.
  • O sistema de água, os transportes públicos e o saneamento sofrem pressão crescente.

Há impacto ambiental caro secretário, está à vista, só você não quer ver!

  • A erosão dos trilhos e a degradação de áreas protegidas são visíveis.
  • A pegada ecológica do turismo de massas contrasta com o discurso “verde” das autoridades.
  • Perda de Autenticidade.
  • A cultura local começa a ser moldada para agradar ao turista: folclore encenado, gastronomia adaptada, festas descaracterizadas.

A Madeira corre o risco de se tornar um "parque temático tropical" de si própria. Apesar dos sinais evidentes, o discurso oficial continua a negar o rumo tomado:

  • Fala-se em “turismo qualificado” enquanto se incentiva a vinda de cruzeiros e voos low-cost em massa.
  • O Governo elogia o “recorde de dormidas” sem falar dos residentes a viver em carros ou dos enfermeiros a abandonar a região por falta de alojamento acessível.
  • Quem alerta para os riscos é frequentemente acusado de “não querer progresso” ou de “falar mal da Madeira”.

Esta negação é perigosa porque impede a adoção de políticas corretivas. Tal como outros destinos insulares (Baleares, Canárias, Santorini), a Madeira pode estar a aproximar-se do ponto de saturação, e ignorá-lo só agravará o problema.

Alternativas Possíveis? A saída não é “fechar a porta” ao turismo, mas sim repensá-lo com coragem:

  • Limites ao número de visitantes diários em áreas sensíveis.
  • Taxas turísticas reais, com reinvestimento em habitação e infraestrutura.
  • Incentivo ao turismo de estadias longas, com mais valor por visitante.
  • Regulação firme do Alojamento Local, priorizando o direito à habitação.
  • Planeamento urbano com critérios ecológicos e sociais, não só turísticos.

A Madeira está numa encruzilhada. Pode continuar a colher os lucros rápidos do turismo massivo, e pagar, em breve, o preço da saturação. Ou pode ter a visão e coragem de preservar o que a torna única, resistindo à tentação de se transformar apenas num destino de selfie e excursão organizada.

A ilha sempre foi resiliente. Mas a pergunta é: será também prudente? Com a negação, não!