P or muito que nos tentem convencer do contrário, o turismo na Madeira deixou de ser uma bênção inquestionável. A ilha, vendida como paraíso de tranquilidade, natureza e autenticidade, está a ser esmagada por um modelo turístico insustentável, motorizado e ganancioso, muito ganancioso! O que foi outrora um equilíbrio delicado entre acolher bem quem nos visita e preservar a nossa identidade, tornou-se uma corrida desenfreada ao lucro fácil que ameaça a qualidade de vida dos residentes e a experiência dos próprios turistas. E esta ilha só não vem ao fundo porque não flutua, senão…
É tempo de chamar as coisas pelos nomes: vivemos hoje um turismo selvagem, marcado pelo excesso de carros de aluguer, pela multiplicação descontrolada do alojamento local e pela conversão da ilha num parque temático para visitantes desatentos, que atravessam as nossas estradas estreitas como se estivessem num simulador. É turismo, sim, mas da pior espécie. E está a sair-nos caro, pois já perdemos o nosso “lugar ao sol”: todos os espaços de lazer estão ocupados, ficando disponível apenas o “canto do caminho” para podermos esticar as pernas. ASSIM NÃO!
Comecemos pelo óbvio: a explosão dos rent-a-car. Estima-se que existam atualmente mais de… muitos operadores na Madeira, com centenas de viaturas cada um! O resultado está à vista – e no trânsito. As estradas regionais, que serpenteiam montanhas e vales com curvas fechadas e bermas apertadas, estão congestionadas, perigosas e descaracterizadas. Zonas outrora silenciosas, onde se ouvia apenas o som das levadas e dos passarinhos, são agora atravessadas por filas de automóveis, travagens bruscas e manobras arriscadas de quem nunca enfrentou uma rampa madeirense. Se, em tempos, apelava-se à partilha de automóveis nas deslocações diárias, para descongestionar o trânsito, a situação de hoje é a perfeita antítese. Casalinho à frente, GPS central e siga. Que se lixe o resto. O que foi pensado como "mobilidade" tornou-se um caos logístico, ambiental e social. Até o Desfile da Flor trocou flores por clássicos motorizados — um símbolo triste daquilo que se tornou a nossa paisagem: betão, chapa e motores onde antes havia beleza, espaço e sossego.
Enquanto os carros invadem as estradas, o alojamento local ocupa ruas inteiras, quintais improvisados e apartamentos que deviam servir os residentes. Os senhorios preferem o lucro fácil do turismo e despejam inquilinos madeirenses. Famílias jovens não conseguem arrendar ou comprar casa. Bairros inteiros transformaram-se em dormitórios para visitantes efémeros, matando o espírito de comunidade e empurrando os locais para zonas periféricas, ou para o sótão dos avós! O fenómeno do AL não é exclusivo da Madeira, mas é aqui que os efeitos se sentem com mais intensidade, dada a limitação do território e da oferta habitacional. A regulamentação é frouxa, o controlo inexistente e o incentivo fiscal, criminosamente permissivo.
A Madeira vendia-se como destino de natureza e contemplação. Hoje, as levadas têm filas, os miradouros são congestionados, e os trilhos são percorridos em excursões barulhentas de Instagramers e influencers. O SILÊNCIO, que era um dos principais atrativos da ilha, foi engolido por este tsunami turístico. As zonas rurais, os recantos escondidos, os “segredos” locais, estão todos no TripAdvisor, e com isso, perdeu-se a magia, perdeu-se a alma.
O Governo Regional, com Eduardo Jesus à cabeça da Secretaria do Turismo, tem sido cúmplice e promotor deste modelo desregulado, escudando-se numa narrativa antiquada: “mais vale ter turismo do que não ter”. Essa lógica cega ao equilíbrio e à sustentabilidade serve apenas para justificar a ausência de planeamento e a entrega de todo o território aos interesses de alguns.
A comunicação social, dependente de publicidade institucional e dos amigos do poder, raramente confronta este modelo. Quem o faz, fá-lo em fóruns de opinião pública ou nas redes sociais. É preciso coragem para romper este ciclo, e essa coragem não tem vindo de quem devia liderar com visão e responsabilidade.
Perante este cenário, a única solução possível e desejável para a Madeira é uma aposta firme e estratégica num turismo DE LUXO! Não falamos de hotéis de cinco estrelas com vista mar para todos, mas de um modelo que privilegie menos visitantes, maior poder de compra, mais exigência ambiental e mais RESPEITO pelo território e pelas pessoas que cá vivem. Quem tem “dois dedos de testa” já pensou evidentemente em:
- Limitação drástica dos rent-a-car a cerca de 30% do parque automóvel de transportes públicos e táxis licenciados. E só seriam permitidos modelos automóveis cujo ruído, tamanho e pegada ecológica tivessem o menor impacto nos nossos ecossistemas;
- Reforço e modernização dos transportes públicos, adequando cada veículo ao seu percurso; criação de rotas turísticas com paragem em pontos autorizados; desincentivar o uso do automóvel em zonas sensíveis;
- Regras rígidas para o Alojamento Local, limitando-o fortemente em zonas residenciais, por quotas máximas por localidade ou freguesia e consequente agravamento fiscal progressivo.
- Criar zonas de contemplação e silêncio em toda a ilha, com limitação de acesso motorizado, policiamento ambiental e sinalética clara. A natureza deve voltar a ser vivida em respeito, não em atropelo.
Caro leitor, o que sentimos diariamente já não é uma perda da nossa qualidade de vida: com efeito, é uma perda do nosso futuro turístico! Um modelo de massas, de turismo barato, de betão e carros, é um caminho de destruição a médio prazo. Os próprios visitantes começarão a evitar a ilha quando perceberem que a experiência vendida não corresponde à realidade vivida. Se tanto se defende o setor, é preciso alguém com “eles no sítio” para tomar as decisões certas de forma a proteger o que tem de ser protegido: a identidade de um povo, uma região. Desengane-se: este artigo não é contra o Turismo, nem contra as empresas de aluguer de viaturas, nem muito menos contra o Alojamento Local. Quem é responsável pela regularização e legislação deste setor, quem é, quem é??? Certamente “esses senhores”, que passam a vida a lançar sorrisinhos a toda a gente, nem imaginam a revolta de cada pessoa com quem se cruzam. Montenegro levou com tinta: aqui na região temos formas mais… naturais.
Os lamentos, desabafos, críticas, comentários já são muitos. Dia após dia as tensões acumulam-se. Certamente não faltará muito tempo até que haja alguma revolta, ou simplesmente que os madeirenses se fartem de vez e comecem a vingar-se contra turistas, carros de aluguer e alojamento local.
É preciso ver os “espelhos”:
Ativistas em Barcelona protestam contra excesso de turismo na Sagrada Família – Observador
Quando não houver mais espaço, mais água, mais silêncio, mais alma, já será tarde demais para inverter o rumo.
Que este texto sirva de “espelho” a quem de direito. Fica o aviso!
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