Ex.ma Senhora Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, Dra. Rubina Leal,
P ermita-me, com todo o respeito institucional que o cargo impõe (e que, curiosamente, parece faltar a alguns membros da casa que dirige), dirigir-lhe umas breves palavras sobre um episódio lamentável que, como se diz por aí, “aconteceu à frente de toda a gente”.
Refiro-me, claro está, à recente sessão parlamentar onde o Sr. Eduardo Jesus, figura proeminente da governação madeirense, decidiu dar um espetáculo digno de tasca barata — utilizando termos como "gaja" e "bardamerda" para se referir a uma colega e a um colega deputados. Um momento de elevação democrática, sem dúvida. Só faltou o fado e uns tremoços.
Mas o que me deixou verdadeiramente perplexo — mais do que a boçalidade em si, que já nem surpreende vindo de quem vem — foi o silêncio sepulcral da V. Ex.ª. Silêncio que ecoou nas paredes da Assembleia como um aval tácito. Afinal, se a Presidente não se pronuncia, quem somos nós, meros cidadãos, para levantar a voz?
Dra. Rubina Leal, como mulher, como mãe — como ser humano minimamente decente — não sentiu nem um leve estremecer na espinha ao ouvir uma colega ser tratada como “gaja” por um colega de bancada? Não lhe ocorreu, mesmo que só por um segundo, como se sentiria se um político se dirigisse a uma das suas filhas nesses termos? Ou será que o protocolo da casa impõe que se aceite tudo, desde que o insulto venha de um aliado político?
É curioso que se exija “decoro” aos cidadãos que assistem nas galerias da Assembleia, mas se aplauda com silêncio os tiques de machismo e desrespeito de quem tem assento nos lugares da frente. Talvez esteja tudo previsto no regimento interno, na secção invisível onde consta: “Os senhores do partido podem dizer o que quiserem”.
A senhora Presidente tem ainda em mãos a oportunidade — rara — de mostrar liderança, firmeza e solidariedade feminina.
Diz-se que o silêncio, por vezes, é ensurdecedor. No seu caso, foi também revelador.
Enquanto povo, enquanto contribuintes, enquanto eleitores, assistir ao Sr. Eduardo Jesus, secretário regional e atual campeão insular do vernáculo misógino, referir-se a uma deputada com os termos “gaja” e “bardamerda” é assoberbante. A cereja no topo do bolo da elevação democrática da Assembleia que V. Ex.ª preside com... diríamos, discrição? Ou será conivência?
O que me deixou boquiaberto não foi o comportamento primitivo do deputado, mas sim a sua completa ausência de reação. Nem uma palavra. Nem um sobrolho levantado. Nem sequer um “Sr. Deputado, modere a linguagem”. Nada.
Permita-me a ousadia, Dra. Rubina: quando ouviu “gaja”, sentiu alguma coisa? Uma pequena fisgada de vergonha alheia, talvez? Ou pelo contrário, pensou: “Mais vale não me meter. É só uma mulher que foi insultada, não um aliado político”?
Mas vou mais longe, já que o seu silêncio permite espaço à imaginação, e se esse “gaja” tivesse sido dirigido a uma das suas filhas? Ou a uma amiga sua? Ainda assim permaneceria imóvel, com aquele sorriso institucional que tudo tolera desde que seja dito com um crachá do poder?
O problema, Sra. Presidente, não é apenas o insulto. O problema é a normalização. É permitir que um deputado trate uma mulher — uma colega parlamentar — como se estivesse a gritar num campo de futebol. É aceitar que a Assembleia seja palco de violência verbal, sem que quem a dirige puxe o travão. Quando uma mulher em posição de liderança não se levanta perante este tipo de abuso, a mensagem é clara: aqui, o machismo não só passa impune — como é acolhido com a passividade cúmplice das chefias.
A senhora teve uma oportunidade rara — histórica até — de mostrar que ser mulher num cargo de poder não é apenas cumprir calendário. Podia ter mostrado que liderar é também proteger a dignidade dos que lá estão, mesmo quando dá trabalho. Mesmo quando significa enfrentar o berro de um correligionário. Preferiu, contudo, o caminho do silêncio. Um silêncio que ecoa com o peso de todas as mulheres que já foram chamadas “gajas” em espaços onde esperavam respeito.
Que fique registado, pelo menos, na memória dos eleitores e das eleitas: numa Assembleia em que se chama “gaja” a uma deputada, a Presidente nada fez nem emitiu.
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