Ficção/humor ligeiro.
N o salão do Centro de Congressos, o ambiente era de tensão pré-gala com tudo pago pela secretaria, quem poderia ganhar. Eduardo Jesus, Secretário Regional do Turismo e Cultura, ajeitava o laço com um sorriso confiante. Afinal, a Madeira estava nomeada para o "Brejeiro de Ouro", um prémio recém-criado que, diziam as más-línguas, tinha um patrocínio muito... entusiasmado.
"Senhoras e senhores", começou o apresentador, uma figura empertigada com um sotaque britânico forçado. "Chegámos ao momento alto da noite! O prémio que celebra a ousadia, a espontaneidade e, acima de tudo, a... veracidade do discurso político! O 'Brejeiro de Ouro'!"
A plateia, composta exclusivamente por jornalistas do DN curiosos e alguns deputados da oposição com sorrisos amarelos, conteve a respiração. Eduardo Jesus sentiu um arrepio. Ele sabia que a sua recente "performance" parlamentar, onde termos como "bardamerda" e "palhaço-mór" haviam brilhado mais que os holofotes, o tinha catapultado para a ribalta deste prémio peculiar.
"E o vencedor é...", a voz do apresentador fez uma pausa dramática, "a ilha da Madeira, representada pelo seu... inimitável Secretário Regional do Turismo e Cultura, Eduardo Jesus!" Ninguém estava à espera!
Uma música de fanfarra, estranhamente parecida com o hino nacional, começou a tocar. Eduardo Jesus levantou-se, ajeitando o casaco e dando um beijo na entrevistadora. Os aplausos foram... mistos. Alguns efusivos, outros claramente irónicos.
Ao subir ao palco, o apresentador entregou-lhe uma estatueta que era uma caricatura: um homem de óculos escuros, com um megafone na mão e um balão de fala onde se lia "BARDAMERDA!". Eduardo Jesus pegou no prémio, um misto de orgulho e constrangimento no rosto. Aproximou-se do microfone, tossiu e começou o seu discurso de agradecimento.
"Bem...", começou ele, com a voz embargada pela emoção de não estar à espera de ganhar. "É com... grande surpresa e humildade que recebo este 'Brejeiro de Ouro'. Surpresa porque, sinceramente, achava que a minha... digamos, 'linguagem assertiva' fosse uma arma secreta, não um critério de avaliação!"
A plateia soltou algumas gargalhadas. Um deputado da oposição murmurou, "Finalmente ele admite!"
"Humildade", continuou Eduardo Jesus, "porque percebo que este prémio é um reconhecimento de que, por vezes, a paixão pela Madeira nos leva a... extravasar um pouco. A nossa cultura, sabem, é vibrante! E por vezes, essa vibração transborda para o discurso! Não somos de... meias palavras!" Ele fez uma pausa, fixando os olhos na estatueta. "Embora admita que 'bardamerda' não seja exatamente... Camões."
Um riso geral ecoou pelo salão e o Chefe de Redação achou que estavam ali 6 páginas com várias poses para o seu matutino.
"Mas prometo-vos", concluiu Eduardo Jesus, erguendo o "Brejeiro de Ouro", "que este prémio será um lembrete constante. Um lembrete de que, se é para ganhar prémios, que sejam estes, os que nos fazem... refletir. E talvez, só talvez, usar um dicionário mais vezes!"
A plateia aplaudiu, desta vez com mais sinceridade. Eduardo Jesus desceu do palco, com o seu "Brejeiro de Ouro" debaixo do braço, já imaginando a manchete do dia seguinte: "Eduardo Jesus arrasou: Ouro em Brejeirice, Prata em Etiqueta". Mas, pelo menos, era um prémio. E na Madeira, dizem, qualquer prémio conta.
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