Fogo-de-Artifício: o Inferno também pode ser instagramável


O verão promete mais do que apenas calor, suor e discursos vazios. Este ano, os céus da ilha voltarão a ser palco de espetáculos pirotécnicos de fazer inveja a qualquer zona de guerra, tudo em nome do turismo, claro está. Porque nada diz “paraíso natural” como toneladas de pólvora a rebentar sobre o mar.

Os melhores fogos vão ter direito a prémios. Sim, leu bem. Não basta encher o ar de fumo, assustar idosos e traumatizar cães, agora também se concorre por medalhas, talvez até uma estatueta dourada em forma de foguete a meio da explosão. E quem paga? Bom… se vive na Madeira, a resposta está ao espelho.

O governo, esse mesmo que nunca consegue resolver a crise habitacional ou o problema das listas de espera na saúde, garante que tudo está “devidamente licenciado” e “controlado”. Como sempre, os únicos que não estão controlados são os incêndios que muitas vezes se seguem, mas enfim, é o preço do progresso. Há zonas que não têm água canalizada, as estares não funcionam, mas o que interessa isso quando podemos ter pirotecnia sincronizada com música de elevador?

Quanto à poluição, é magnânima e indecente. O mar, coitado, lá engole mais meia tonelada de restos químicos, pavios e plásticos coloridos, como se já não tivesse sardinhas suficientes a nadar entre cotonetes e óleo diesel. A terra, principalmente as serras, que aproveitam para se transformarem em grelhadores naturais, com labaredas alimentadas por fogos “de excelência”.

Mas deixemo-nos de negativismo! A Madeira acaba de ser nomeada, pela quinquagésima vez, “Melhor Ilha Turística do Mundo segundo uma revista que ninguém sabe se existe mesmo ou se foi criada num gabinete em Bruxelas por alguém com saudades da poncha”. Com sorte, o prémio para o melhor fogo-de-artifício irá pelo mesmo caminho, um troféu simbólico, pago com dinheiro real, num evento transmitido com drones e legendado para surdos emocionais.

Explosões no céu, chamas no mato, lixo no mar e sorrisos forçados nas autoridades locais. É a festa do fogo, da fumaça e da fachada, onde o brilho ofusca a verdade e as cinzas são sempre varridas para debaixo do tapete da propaganda.

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