A iliteracia e os parasitas dos mortos, acidentes e memes.

 

Em Portugal 40% dos adultos só compreendem textos simples e matemática básica.
Cerca de 40% dos adultos que vivem em Portugal só conseguem compreender textos simples e resolver aritmética básica, segundo um estudo da OCDE em que os portugueses apenas são melhores do que os chilenos. Apenas os chilenos têm mais dificuldades do que os portugueses a interpretar textos ou a realizar operações matemáticas necessárias no seu dia-a-dia, segundo os resultados divulgados esta terça-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). (link)

notícia de cima, repetida em todos os órgão de comunicação social de referência é uma forma delicada de chamar a quase metade da população de "algo". Todos votamos por igual, cada pessoa um voto. Há dias saiu um texto sobre a razão de termos tantos maus líderes (link), mas quantos têm opinião diferente, que votaram neles e depois, para não dar o braço a torcer, insistem. O resultado das eleições é desta gente que vai em conversas e não lê e não interpreta? A história não serve para não repetir erros? A democracia é derrotada pela iliteracia?

Tudo isto bate tão certo, a iliteracia é alimentada, por cá. Será só 40%? Há páginas piratas de "informação" e outros grupos, a mando do Partido Maior, a colecionar dessa gente, dão-lhes o que querem... mortos, acidentes, tragédias, porrada, graçolas, ídolos e curiosidades. Uma frase mal amanhada, uma imagem manhosa e sucesso.

Vamos mais longe? Vamos, delicadamente, porque o tema é muito relevante, falo da ligação entre níveis de literacia, qualidade da democracia e manipulação da opinião pública.

O estudo mencionado faz parte do PIAAC (Programme for the International Assessment of Adult Competencies), que mede competências de leitura, escrita e matemática funcional em adultos. Quando se diz que “40% só compreendem textos simples e aritmética básica”, não significa que essas pessoas são “incapazes”, mas que têm dificuldade em interpretar informação mais complexa, como contratos, textos jornalísticos longos ou gráficos estatísticos. E confusões políticas? Discernir quem tem razão? Isto tem implicações diretas na forma como os cidadãos se relacionam com a informação política, económica e social.

Os contextos socioeconómicos e educacionais criam barreiras estruturais. Alguém que abandonou a escola cedo, ou que nunca teve acesso a leitura regular, não é “menos inteligente”, apenas não teve as mesmas ferramentas. O risco da generalização é alimentar elitismos e afastar ainda mais essas pessoas da participação cívica.

É verdade que em democracia cada voto vale o mesmo, independentemente do grau de literacia. Isso é uma virtude e uma fragilidade do sistema. Os cidadãos com menor capacidade de leitura crítica ficam mais vulneráveis a propaganda, fake news e manipulação emocional. No entanto, o voto universal garante que a democracia não se torna elitista ou tecnocrática, onde apenas os “mais capazes” teriam voz, o que, historicamente, levou a regimes autoritários. O dilema é claro, como equilibrar igualdade de voto com qualidade da decisão coletiva?

Quero salientar que o papel da desinformação sobre estas pessoas tem um objectivo claro, por isso surgem páginas piratas, conteúdos manipulados e grupos organizados a alimentar esse ciclo. Notícias falsas têm maior alcance em pessoas que não têm hábitos de leitura crítica, mas também, plataformas sociais usam algoritmos que priorizam emoção sobre reflexão, tragédias, curiosidades, memes, etc.

Será que a democracia portuguesa (e não só) está a falhar na educação cívica e mediática? Como podemos combater a iliteracia funcional sem cair no elitismo? O problema está na população, ou nos líderes e meios de comunicação que exploram deliberadamente essas fragilidades? A verdadeira ameaça à democracia não é apenas a iliteracia, mas a combinação dela com estruturas de manipulação da informação.