Funchal em Revolta


Manifestantes de bandeiras alheias e a hipocrisia que ninguém quer ver

F unchal, Madeira. A rua ferve de bandeiras da Ucrânia e da Palestina, agitadas com um fervor quase religioso. Os mesmos que se intitulam “amantes da paz” e “defensores da liberdade” apontam o dedo contra a Rússia e contra Israel, mas esquecem convenientemente de olhar para o quintal de casa. É fácil clamar contra guerras distantes, é fácil posar para fotografias com lenços e estandartes, mas onde estão esses guerreiros da moral quando é o Governo Regional que vos esmaga os direitos, vos suga os salários e vos rouba a dignidade todos os dias?

É aqui que a hipocrisia se torna insuportável.

Dizem lutar pela liberdade, mas aceitam calados o regime podre que domina a Madeira há décadas. Choram pelas vítimas de Gaza ou Kiev, mas não soltam um pio quando os vossos próprios vizinhos são condenados a viver com salários de miséria, casas inacessíveis e uma democracia amputada.

O paradoxo madeirense: o povo que marcha com bandeiras estrangeiras não encontra coragem para enfrentar a ditadura disfarçada de autonomia que vos governa.

Paz, mas só nos cartazes

O discurso é sempre o mesmo: “Queremos paz, somos contra a guerra”. Mas a verdade é dura.

Se a Ucrânia queria paz, que tivesse investido no diálogo antes de transformar o país em palco de provocações militares. Se a Palestina queria paz, que não tivesse passado anos a espalhar bombas e raptos. Apoiar Kiev ou apoiar Gaza, nas condições em que o fazem, não é neutralidade: é alinhar com terrorismo travestido de causa.

E se todos os dias o vosso vizinho quisesse matar-vos apenas porque não aceita a vossa visão do mundo? Ainda assim levantaríeis a bandeira dele em solidariedade cega?

Guerras esquecidas, mas reais. Enquanto os madeirenses se entretêm a bater palmas em manifestações importadas, pelo mundo ardem fogos que ninguém aqui quer mencionar:

  • Sudão – guerra civil entre militares e paramilitares.
  • RDCongo – massacres no Kivu.
  • Myanmar – resistência contra a ditadura militar.
  • Síria – conflito sem fim entre regime, rebeldes e curdos.
  • Sudão do Sul – confrontos armados internos.
  • Líbano – tensão permanente com Hezbollah.
  • Iémen – guerra brutal entre Houthi e governo.
  • Burkina Faso – jihadismo a corroer o Estado.
  • Mali – violência islâmica e golpes sucessivos.
  • Somália – Al-Shabaab a impor terror.
  • Afeganistão – o inferno quotidiano das facções.
  • Etiópia – Tigray e etnias em guerra.
  • Níger – militância no Sahel.
  • Nigéria – Boko Haram e divisões religiosas.
  • Camarões – separatismo armado.

Mas não: aqui, na Madeira, só interessa o cartaz pronto, a bandeira colorida, a pose fotogénica para o Instagram.

A verdadeira guerra é aqui

Enquanto se grita pela Ucrânia e pela Palestina, o vosso governo regional continua a pilhar-vos com impostos injustos, a vender-vos uma democracia de fachada e a impor-vos uma austeridade silenciosa. Mas disso ninguém fala. Não há passeatas nem megafones contra o PPD/PSD que vos mantém ajoelhados. Não há coragem para enfrentar os abusos quotidianos de um regime regional que se alimenta da vossa passividade.

Hipócritas! Levantar bandeiras alheias é fácil. O que é difícil é enfrentar os tiranos que vestem fato e gravata e vos espreitam todos os dias do gabinete governamental no Funchal.

Manifestação sem máscara

O povo madeirense não precisa de mais selfies com slogans importados. Precisa de coragem para se levantar contra os seus próprios opressores. Precisa de perceber que a guerra que importa não está apenas em Gaza ou Kiev – está no bolso vazio, no salário roubado, na habitação impossível, na corrupção descarada que apodrece esta ilha.

O resto são distrações. São cortinas de fumo para esconder a miséria de cá. E é por isso que, enquanto se gritam “paz e liberdade” para fora, o silêncio cúmplice continua a reinar cá dentro.

A pergunta é simples: terão coragem para finalmente marchar contra os vossos próprios ditadores regionais? Ou vão continuar a ser apenas carneirada com bandeiras alheias?