Monarquia Autonómica


Na Madeira, Miguel Albuquerque conseguiu, com teimosia, transformar a “autonomia” numa espécie de monarquia subtropical, sem coroa visível, mas com todos os tiques de quem acredita que o poder não se empresta, herda-se.

Se o povo madeirense quisesse adaptar a ideia de golpe de Estado ao seu contexto regional, não precisaria de fardas nem quartéis. Bastaria recorrer a ferramentas muito mais subtis e eficazes.

Numa região pequena, onde todos se conhecem e os boatos correm mais depressa que as ondas do Funchal, bastava organizar-se online, desmontando narrativas oficiais e revelando aquilo que o poder prefere varrer para debaixo do tapete. Um contra-ataque feito de humor, fact-checking e memes pode corroer mais a autoridade de um líder do que qualquer manifestação de rua.

Na Madeira, a economia é o ponto nevrálgico: turismo, agricultura e fundos vindos de fora. Se a população, empresários e trabalhadores decidissem redirecionar esforços, recusando-se a alimentar certos esquemas clientelares, estariam a retirar oxigénio político ao sistema. Um boicote silencioso, gastar o dinheiro apenas em projetos e negócios independentes da máquina política, seria um abalo profundo.

Os arraiais, a música, e a Festa da Flor poderiam ser transformados em palcos de resistência. O humor, a sátira e a ironia são armas tipicamente madeirenses: basta uma cantiga bem escrita, um cartaz espirituoso ou um desfile satírico para expor, diante de turistas e conterrâneos, as fragilidades de quem se acha inamovível. Nada mais perigoso para o poder do que ser ridicularizado em praça pública.

E, claro, o mais poderoso de todos: a urna. Mas para isso seria necessário romper com o ciclo de dependências, favores e medos que ainda condicionam o voto. Um verdadeiro golpe madeirense não se faz com armas, mas com coragem coletiva: a coragem de acreditar que autonomia não é feudo e que democracia não é apenas ritual eleitoral.

E talvez aí esteja a esperança: se a Madeira já provou ao mundo que de um pedaço de rocha no meio do Atlântico pode nascer um povo resiliente, empreendedor e orgulhoso, também pode provar que pode nascer uma democracia madura, vibrante e plural. Porque nenhum poder dura para sempre, mas a vontade de um povo, quando acorda, é impossível de derrubar.