O militante-estatístico do Facebook e o retrato do caos no PSD Madeira


C hegámos ao cúmulo. Em plena campanha, quando a Madeira precisa de propostas claras e rostos responsáveis, surge um militante do PSD — de Câmara de Lobos, note-se — a ditar a agenda do Funchal com “sondagens” caseiras e dissertações sobre centrais de camionagem e organização do trânsito. Quem o mandatou? É candidato? Integra alguma lista? Ou decidiu, por conta própria, fazer o trabalho que os candidatos do Funchal do seu partido não sabem fazer? A opacidade é total — e o ruído, ensurdecedor.

O problema não é apenas estético; é político e institucional. Há fronteiras de competência. A Câmara Municipal do Funchal pode e deve intervir em circulação, sinalização, planos de mobilidade urbana, gestão do estacionamento. Mas as matérias de transporte coletivo, rede intermunicipal e terminais rodoviários têm uma dimensão supramunicipal, dependente do Governo Regional e das entidades públicas responsáveis pela mobilidade. Se o militante quer reformar “ centrais de camionagens” e redes de linha, o seu diálogo prioritário é com o Governo Regional — o mesmo partido que diz representar — e não com um megafone pessoal nas redes sociais no âmbito de umas autárquicas?!

Depois, o mesmo militante do psd , vem divulgar no seu Facebook “sondagens”. Aliás chamar “estudo” a um inquérito no Facebook sem regras não é inocente: é desinformação que contamina o debate, sem qualquer valor inferencial. Numa democracia, opinião é livre; medição de opinião tem regras. Divulgar percentagens sobre o resultado eleitoral da Câmara do Funchal e “engo(u)vernabilidade” sem ficha técnica, sem método, sem amostra válida, é vender fumo. E fumo, em campanha, intoxica.

O mínimo dos mínimos para qualquer sondagem divulgada publicamente

  • Universo e amostragem: Quem foi inquirido? Como foram selecionadas as pessoas (aleatória/quotas)?
  • Tamanho da amostra: Quantos inquiridos válidos (n)?
  • Trabalho de campo: Datas em que as entrevistas foram feitas.
  • Método de recolha: Presencial, telefone, online com painel probabilístico — não é o mesmo que link aberto nas redes.
  • Ponderações: Que correções foram aplicadas (sexo, idade, freguesia, voto anterior)?
  • Margem de erro e nível de confiança: Por exemplo, ±3,1 p.p. a 95%.
  • Entidades: Quem encomendou e quem executou a sondagem.
  • Fins de publicação: Se vai a público, vem com ficha técnica completa. Sem isto, não é sondagem — é palpite.

Nada disto aparece nas “tabelas” e “gráficos” do militante. Resultado: números soltos a moldar narrativas, a pressionar candidatos e a baralhar eleitores. Hoje, o que se percebe é o caos comunicacional dentro do PSD Madeira, com militantes a impor um roteiro político paralelo, desalinhado do que realmente se discute nas eleições.

Não se trata (ainda) de levar o caso à Comissão Nacional de Eleições. Trata-se de exigir decência. Se o PSD tem uma posição sobre mobilidade no Funchal, que a apresente oficialmente, com os seus candidatos e equipas técnicas. Se quer apresentar sondagens, que as faça com credenciais, método e transparência. E se um militante quer contribuir, ótimo — mas com responsabilidade, dentro das competências certas e com rendição de contas. A fronteira entre participação cívica e manipulação é um fio muito fino; quem ambiciona governar não o deve cortar.

Os funchalenses e os madeirenses merecem soluções, não improvisos. Planeamento de mobilidade exige estudo sério, modelação, escuta pública e coordenação interinstitucional. Debate eleitoral exige clareza, respeito pelas regras e pelos eleitores. O resto é ruído — e o ruído, quando substitui a política, degrada a democracia.