Associação de Bandolins da Madeira. Quo Vadis?



Q uo vadis?, expressão latina que significa “para onde vais?”, poderia ser a pergunta certa dirigida à Associação de Bandolins da Madeira (ABM). Contudo, perante os sinais crescentes de desvio da sua missão fundadora, a interrogação mais pertinente talvez seja “para onde foste?”, pois o rumo atual parece perdido entre promessas incumpridas, autocontratações e resultados pouco visíveis para o universo bandolinístico da Região.

Fundada com o propósito de representar e promover o património musical associado ao bandolim madeirense, a ABM (NIF 511136650) tem vindo a beneficiar, nos últimos anos, de avultados financiamentos públicos — quer através de contratos-programa celebrados com o Governo Regional da Madeira, quer de apoios plurianuais atribuídos pela Direção-Geral das Artes (DGARTES). Numa simples consulta ao JORAM e aos registos da DGARTES é possível constatar que a ABM recebeu largas centenas de milhares de euros ao longo dos últimos
cinco anos.

O problema reside no desfasamento evidente entre os recursos públicos atribuídos e os resultados efetivos apresentados. Muito pouco deste financiamento se traduz em benefícios concretos para as orquestras de bandolim, para os executantes ou para os professores que, com enorme esforço, mantêm viva esta tradição. Em vez disso, os apoios têm servido, repetidamente, para financiar projetos e espetáculos de enquadramento artístico duvidoso face à missão da associação. Entre os exemplos mais recentes incluem-se iniciativas como Sonarwave.AI (que decorre em breve, mas cuja relação com o bandolim é desconhecida), o concerto com a Orquestra Indígena do Brasil (digno de mérito próprio, mas estranho à missão específica da ABM), o musical GAIA (da autoria do presidente da associação), a peça de teatro Abril em Maio e o espetáculo Youth and Tech. Projetos culturais? Indiscutivelmente. Mas em que medida contribuem para a formação de jovens músicos, para a revitalização das tunas, para o ensino regular do bandolim ou para a sua afirmação como património cultural da Madeira? Mais grave ainda: a ABM transformou-se, aos olhos de muitos, num projeto pessoal de uma família, que utiliza a estrutura associativa como plataforma de promoção individual e de gestão de interesses próprios. O que deveria ser um coletivo representativo e plural tornou-se, na prática, uma estrutura opaca, centralizada e fechada sobre si mesma. O seu presidente, destacado pelo Conservatório com a missão específica de dinamizar o ensino do bandolim na Região, não cumpre a função para a qual foi
incumbido. As poucas orquestras ainda em atividade sentem-se desamparadas e ignoradas por quem, em tese, as deveria apoiar e revitalizar. Importa recordar que este destacamento tinha como objetivo precisamente a criação de núcleos de ensino, a reativação de orquestras adormecidas e a difusão do instrumento pelo território. Em vez disso, observa-se uma flagrante inércia institucional e um
afastamento total das responsabilidades para com o setor.

Para além disso, o mesmo presidente contrata-se a si próprio, direta ou indiretamente, para projetos e espetáculos da própria associação, recorrendo, em vários casos a uma empresa, constituída por si e pela sua mulher, que é, ao mesmo tempo, funcionária da ABM. Esta sobreposição de papéis, entre dirigentes, fornecedores e beneficiários, levanta sérios indícios de conflito de interesses e favorecimento privado com dinheiros públicos.

E se isto não bastasse, um episódio recente vem reforçar esta perceção: ao fim de 10 anos sem qualquer comunicação institucional, sem convocatórias de assembleias gerais, sem eleições, nem aprovação de contas, recebo, subitamente, uma carta da ABM. Não para me informar da sua atividade, nem para me convocar a participar na vida da associação, mas para me exigir o pagamento de 60 euros em quotas em atraso. Uma década de silêncio absoluto, substituída por uma cobrança financeira como se tudo estivesse regularizado e em pleno funcionamento democrático. Durante todo esse tempo, nem uma palavra foi dirigida aos membros, muito menos à minha própria orquestra, que se encontra
atualmente adormecida, e que, em teoria, deveria ser acompanhada e dinamizada pela associação que diz que a representa. A cobrança contrasta de forma gritante com a ausência total de qualquer tentativa de revitalização, apoio ou contacto institucional.

Perante tudo isto, como é possível que a ABM tenha submetido planos de atividades e candidaturas à DGARTES sem conhecimento, participação ou aprovação dos próprios associados? Como foram esses documentos instruídos? Foram realizadas assembleias? Foram lavradas atas de tomada de posse? Quem as assinou, com que legitimidade e com base em que eleições? Ou estaremos perante documentos falsificados, com assinaturas indevidamente reproduzidas ou com atas redigidas à margem da legalidade? A submissão de pedidos de financiamento público por uma entidade que não cumpre os seus deveres estatutários e legais pode configurar fraude institucional e financeira, e deve, por isso, ser objeto de auditoria e investigação.

Enquanto tudo isto passa despercebido aos organismos de tutela, professores, maestros e orquestras locais permanecem sem apoio direto, sem recursos para crescer, sem condições para formar novos executantes ou manter as suas atividades. Quantos mais poderiam beneficiar desses apoios se estes fossem distribuídos com base no mérito real, na ação pedagógica concreta e no compromisso com o setor?

O bandolim na Madeira tem uma história centenária, construída em escolas populares, tunas, instituições de bairro e centros culturais, muitas vezes à custa de professores voluntários e recursos escassos. Canalizar rios de dinheiro para uma associação que, objetivamente, não cumpre essa missão, é desprestigiante para a Cultura. Não basta afirmar que existem 12 orquestras de bandolim na Madeira; é preciso sustentá-las, garantir-lhes meios de crescimento, criar estruturas, formar professores, apoiar os que, todos os dias, fazem este trabalho no terreno.

A pergunta impõe-se com urgência e indignação: Quo vadis, ABM? Porque se a Cultura é, como se diz, um bem comum, não pode continuar a ser gerida como um negócio privado — e muito menos com o dinheiro de todos nós.



Nota do MO: devem facilitar o nosso trabalho, assim o texto tem menos divulgação, carre em word se vem em anexo, um wordpad, programa simples.