O triunfo anunciado dos eternos vencedores de São Vicente


C aros conterrâneos, é com toda a confiança, serenidade e uma quase científica certeza que me permito proclamar o inevitável: já vencemos. Sim, antes mesmo de qualquer voto depositado, antes do sino eleitoral marcar a hora solene, a vitória já repousa nas nossas mãos, não por acaso, mas por desígnio histórico. Não é tanto um ato de escolha livre, mas um reencontro com o destino.

Que outro corpo político poderá ostentar tamanha longevidade de serviço, revestida de glória quase dinástica? São décadas de governação contínua, uma sucessão de triunfos que se acumulam como coroas de louro nos altares da nossa memória coletiva. E, como todos sabem, quando a repetição se confunde com eternidade, deixa de haver espaço para alternativas: a continuidade não é mera opção, é a própria natureza das coisas.

A nossa equipa, composta de talentos que se multiplicam em títulos, cargos e biografias bem polidas, apresenta-se como a encarnação moderna da aristocracia democrática. Cada membro é não apenas um candidato, mas uma espécie de sacerdote laico, depositário de virtudes imemoriais, cuja biografia — enriquecida por associações culturais, desportivas, religiosas e comunitárias, se lê como hagiografia secular. Não são pessoas, são lendas. Não são candidatos, são certezas.

Convém sublinhar a sublimidade deste fenómeno: em São Vicente não se vota propriamente em partidos ou em programas, vota-se numa herança coletiva de fidelidade, num património emocional que já se transmitiu de avós para netos, como quem transmite a chave da casa antiga ou a receita secreta do bolo familiar. A urna, nesse sentido, é mero adereço; o resultado, já sabido.

Com efeito, não nos limitamos a governar, ensinamos filosofia política na prática. Enquanto os manuais falam de democracia representativa, nós praticamos uma democracia transcendental: aquela em que a alternância deixa de ser necessária, porque a perfeição já foi encontrada. Somos a ilustração viva de Platão e do seu governante-filósofo; mas, numa ousadia superior, conseguimos superar até Platão, ao transformar o poder numa presença estável, como se fosse uma lei da gravidade política.

E se é verdade que muitos se apresentam com propostas, promessas e programas, nós apresentamo-nos com algo mais elevado: a memória de já termos governado sempre. A experiência, acumulada até ao infinito, converte-se em dogma; e esse dogma, paradoxalmente, torna-se mais persuasivo do que qualquer plano de ação concreto. Pois quem já foi tudo, pode prometer tudo sem esforço.

Notem ainda a diversidade aparente, múltiplos nomes, múltiplas freguesias, múltiplas profissões, mas unificados por um denominador comum: a fidelidade a uma mesma bandeira. Médicos, professores, técnicos, agricultores, guias de visitas, músicos, treinadores, todos convergem como rios que desaguam no mesmo oceano. A pluralidade aqui não contradiz a unidade, antes a reforça, porque demonstra que qualquer papel social pode ser absorvido pela mesma causa. É um ecossistema político perfeito, onde cada folha, cada pedra, cada voz da comunidade serve apenas para reforçar o tronco central da árvore que governa.

E, caros conterrâneos, como não reconhecer a profundidade psicológica deste fenómeno? Pois não se trata apenas de governação, mas de identidade. A nossa existência política é tão entranhada no vosso quotidiano que resistir a ela seria quase como resistir ao ar que respiram. Votar noutro seria, para muitos, um ato de autoexílio, um desvario filosófico semelhante a negar a própria sombra.

Por isso, com humildade fingida e orgulho absoluto, declaro que esta vitória é mais do que nossa: é vossa. É o reflexo da vossa sabedoria, da vossa prudência ancestral em nunca arriscar. Porque a mudança pode ser bela na teoria, mas a eternidade é mais segura na prática.

Caros amigos, a verdade é simples: a democracia em São Vicente atingiu a sua fase superior. Não é mais um regime de escolhas, mas uma celebração ritual do que já foi escolhido. Votar tornou-se um ato litúrgico de confirmação, uma profissão de fé que assegura que o futuro será idêntico ao passado, e que o passado, por sua vez, se perpetuará como futuro.

E assim, sem necessidade de suspense, proclamo convosco a vitória já conquistada. Não precisaremos de esperar o dia 12 de outubro, pois o calendário é irrelevante quando a eternidade já nos assiste. Somos e seremos, por graça de hábito, por força de destino, os eternos vencedores de São Vicente.