A era da ignorância dourada


V ivemos na ilusão de sermos informados, quando na verdade estamos apenas entretidos. A tecnologia prometeu emancipar-nos, mas o resultado foi uma multidão hiperconectada e intelectualmente órfã. O que antes se chamava censura agora chama-se “algoritmo”; o que antes era propaganda agora é “tendência”. A ignorância deixou de ser uma condição — tornou-se um estilo de vida.

A maioria das pessoas não sabe o que está a acontecer, e o mais alarmante é que nem sequer sabe que não sabe. O sistema aperfeiçoou a arte da distração: faz-nos odiar o vizinho para nunca questionarmos o patrão. Substituiu a consciência pelo consumo e convenceu-nos de que escolher entre duas versões do mesmo erro é liberdade. O ilusionismo político tornou-se tão sofisticado que já não precisa esconder a verdade — basta saturá-la de ruído.

Numa sociedade onde a estupidez é celebrada como patriotismo, a inteligência torna-se subversiva. Os idiotas multiplicam-se com a confiança dos que nunca duvidam; os lúcidos sobrevivem com a angústia dos que compreendem demasiado. O fanatismo é o refúgio dos fracos, e o conformismo o vício dos acomodados. A mediocridade colectiva é o preço da paz social.

Mas a luz começa onde termina a obediência. Uma sociedade sábia ensina a questionar, não a repetir. A verdadeira educação não consiste em decorar verdades, mas em aprender a duvidar delas. Educar a mente sem educar a moral é fabricar engenheiros do mal com diplomas de excelência. Saber é perigoso quando falta ética; e a ignorância é letal quando se confunde com convicção.

O conhecimento, quando orientado pela virtude, liberta. Quando dirigido pela vaidade, corrompe. A liberdade intelectual começa no reconhecimento da própria ignorância. O doutor ignorante é hoje figura comum: possui títulos, mas não pensamento. A informação sem reflexão é ruído; a inteligência sem humildade é arrogância travestida de mérito.

A coragem é o ponto de inflexão entre o pensamento e a ação. O papel do intelectual — e de qualquer cidadão consciente — é desafiar a autoridade, não servi-la. É perigoso ter razão quando o poder se alimenta da mentira, mas é ainda mais perigoso calar-se. A omissão é a forma mais respeitável de cumplicidade. O mundo não é destruído pelos que fazem o mal, mas pelos que o permitem em silêncio.

A tirania floresce onde o medo é cultivado e o pensamento é punido. Todo o tirano teme mais um pensador do que um exército. Rebellion não é desordem: é o último recurso da dignidade. Nenhum governo é legítimo quando o amor ao poder ultrapassa o amor pelas pessoas. E nenhuma sociedade é livre enquanto a injustiça for tolerada como inevitável.

As ditaduras modernas não queimam livros — queimam o tempo e a atenção. Os novos tiranos usam fatos e gabinetes, não fardas. O capitalismo sem consciência devora a natureza e o homem que a habita, transformando o planeta num armazém de resíduos e corpos cansados. O mal, como sempre, autodestrói-se — mas raramente antes de destruir tudo à sua volta.

Contudo, há esperança para quem pensa. A mente iluminada não volta a ser escura. Os factos persistem, mesmo quando ignorados, e a verdade tem paciência histórica: primeiro é ridicularizada, depois combatida, e por fim aceita como evidente. Cada geração tem o seu crepúsculo, mas também o seu amanhecer.

A felicidade, essa forma discreta de sabedoria, não se encontra na posse nem na fuga, mas no domínio de si próprio. O homem conquista o mundo quando conquista a si mesmo. A alegria de compreender é o mais nobre dos prazeres. O verdadeiro poder não é o que manda — é o que compreende.

O que fazemos agora ecoará na eternidade. Talvez não consigamos mudar o mundo inteiro, mas podemos recusar o conforto da mentira. O primeiro ato de liberdade é pensar. O segundo, agir. O terceiro, resistir com serenidade. Porque mesmo na noite mais longa, há sempre quem guarde o fósforo da razão — à espera da alvorada.