H á um fenómeno curioso na Madeira: basta uma mulher andar de bikini na rua para certos moralistas de bolso entrarem em combustão espiritual (link), como se a liberdade alheia fosse um crime público e o corpo humano, um perigo social. E, claro, lá aparece sempre alguém a publicar a foto nas redes, não por interesse jornalístico, mas por puro voyerismo travestido de indignação moral. Nada de novo: quando a inteligência falha, a moral costuma servir de bengala.
O gesto é sempre o mesmo: alguém tira uma fotografia clandestina, partilha-a num grupo de “opinião livre”, e tenta transformar a escolha da mulher num problema público. O problema, porém, nunca é o bikini — é a mente que o observa. A liberdade individual não se derrete ao sol; o respeito pela dignidade humana é que evapora rapidamente quando exposto ao calor da mesquinhez.
É extraordinário como se exige que uma mulher vista o que não incomode os olhos de terceiros, mas nunca se exige que terceiros controlem a própria cabeça. Criticar alguém por usar menos roupa não é prudência; é ressentimento. Fotografar alguém para humilhar não é opinião; é cobardia digital. E insinuar que a mulher devia “saber comportar-se” não é preocupação social; é apenas a velha pulsão de meter a liberdade dos outros dentro da gaiola mental de quem nada compreende.
Numa região que vive do turismo, do clima e da suposta hospitalidade, a histeria em torno de um bikini parece um manual vivo de contradição. Ainda mais quando vivemos num continente onde há praias naturistas legais, festivais de nudismo, e uma longa tradição de entender que o corpo humano não é um inimigo público. Aqui, porém, basta alguém ultrapassar a régua cultural inventada por meia dúzia de vigilantes morais para se transformar num “caso”.
Mas o que realmente devia ser caso público é outra coisa: a facilidade com que alguns se acham donos do corpo alheio, da liberdade alheia e do direito de humilhar quem não segue a cartilha dos seus pudores pessoais. O escândalo não está na pele exposta; está na pequenez exposta.
A verdade é simples: uma sociedade só é livre quando o corpo de alguém não é motivo de julgamento, quando a rua pertence a todos e quando a dignidade humana não depende da quantidade de tecido usado num dia de calor. O bikini não é o problema; o puritanismo disfarçado é. E o debate sobre isto não revela o que a mulher veste — revela o que alguns não conseguem despir: o preconceito.
Nota do MO:
A liberdade individual é um valor essencial, mas ela convive sempre com outra responsabilidade: o respeito pelos outros e pelo espaço comum. A cidade não é uma extensão da praia nem um palco para exibições pessoais, é um lugar onde circulam famílias, crianças, idosos e todos os que têm direito a usufruir do espaço público sem constrangimentos desnecessários.
Ninguém defende puritanismos, mas também não se pode normalizar comportamentos que ignoram por completo o contexto. Há limites de convivência que permitem que todos partilhem a mesma rua com tranquilidade. Andar praticamente nu pelas artérias da cidade não é sinal de liberdade: é sinal de desconsideração pelos que ali vivem, trabalham e passeiam. Curiosamente na mesma rua onde outros fazem tanta barulheira, em horas proibidas, que não deixam os outros descansar há muitos anos.
A verdadeira liberdade não precisa de ser provocatória; precisa de ser responsável. E o respeito mútuo, esse sim, nunca sai de moda. Este tipo de atitudes não acontecem só na rua, mas também em supermercados, centros comerciais, espaços comuns da hotelaria, etc. Mais uma marca do turismo rasca que trouxeram para a Madeira.
Este site esteve dois anos sem acesso ao seu Youtube por imagens desfocadas de actos sexuais em ruas e jardins do Funchal, de dia e de noite, devem estar lembrados. Na rua anda toda a gente e há um código de bom senso, de respeito pelo espaço dos outros e das mais diversas idades. Esta cidade não é de nudistas, portanto não recebemos moralismos de ninguém. Passar bem. Agora se é normal e todos concordam, vamos andar nus na cidade. Se normalizam o barulho podem normalizar a nudez. Não costa que esta atitude seja tolerada em sociedades liberais.
As pessoas já andam azedas e intolerantes com turistas, rent-a-cars, etc, "subam o nível" e depois não se queixem dos resultados.
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