A propaganda oficial diz que “a Madeira é atrativa para trabalhadores remotos porque 20 mil pessoas demonstraram interesse”. Interessa perguntar: interesse em quê? Em clicar num link? Em responder a um inquérito? Em sonhar com sol e mar antes de enfrentar a realidade? O Governo Regional transforma curiosidade em prova, estatística em ilusão e marketing em argumento político — tudo para esconder o que realmente dói: a Madeira não atrai, expulsa.
O arquipélago vive uma crise habitacional que dispensa explicações: rendas obscenas, salários que envergonham qualquer folha de vencimento e uma oferta inexistente. Fala-se em “atratividade” enquanto os madeirenses são empurrados para fora da sua própria terra. Que atratividade é esta que não serve nem quem cá nasceu? Que modelo é este que só funciona quando a mão-de-obra é vulnerável, mal paga e facilmente substituível?
Os madeirenses enfrentam exploração diária: patrões que preferem estrangeiros por serem mais fáceis de calar, trabalhadores que não têm tempo para família porque a vida é engolida por turnos, chefias ausentes que acumulam dividendos e nem conhecem o chão onde o lucro é produzido. E ainda nos pedem para acreditar que a Madeira é um paraíso laboral? Para quem, exatamente? Não é para quem trabalha.
A narrativa governativa é uma cortina de fumo. Se a Madeira fosse “atrativa”, não haveria êxodo juvenil. Não haveria falta de habitação. Não haveria trabalhadores presos em salários mínimos que não cobrem metade da renda. Não haveria serviços públicos saturados a pedir socorro. Se a Madeira fosse “atrativa”, não dependeria de trabalhadores sem voz para manter o modelo económico a funcionar. Se fosse atrativa, não seria necessária propaganda.
A verdade é crua: a Madeira é atrativa apenas para quem lucra com precariedade. É atrativa para quem precisa de mão-de-obra barata e silenciosa. É atrativa para quem governa para empresas e não para pessoas. Para o resto, para quem vive aqui, para quem procura dignidade, estabilidade e futuro, a palavra “atratividade” não passa de insulto disfarçado.
Esta é a manifestação inteligente que importa fazer: enquanto o Governo repetir o slogan, nós repetimos a realidade. A Madeira não precisa de campanhas de charme. Precisa de coragem política, respeito pelos trabalhadores e compromisso com quem aqui constrói vida. Até lá, atrativa só no papel — e nem aí convence.
