O milagre do costume.

D izem por aí que Portugal teve 50 anos de corrupção e que agora, finalmente, milagrosamente, gloriosamente, chegou a salvação: o CHEGA. É lindo. É quase poesia. Depois de meio século de governos “corruptos”, a solução é entregar o país a um partido que promete limpeza com a mesma convicção com que certos autarcas da Madeira prometem “transparência” enquanto escondem documentos na gaveta da mesa de cabeceira. Um hino nacional ao humor involuntário.

A ideia é simples: se tudo está mal, nada como pôr alguém a gritar mais alto. Porque, como sabemos, gritar é sempre prova científica de competência. E insultar é currículo. E prometer “acabar com a corrupção” sem explicar como é que se faz… isso então é doutoramento. É o grande truque português: vender ar com selo de pureza. Só falta mesmo serem “certificados pela ASAE”.

A lógica do argumento é tão sólida quanto uma varanda da zona velha depois de três obras feitas à pressa: “Se os outros governaram 50 anos e houve corrupção, vamos pôr lá estes que ainda nem chegaram e já coleccionam polémicas, multas, processos e personagens que parecem saídas de uma telenovela cómica.” É como trocar um pneu furado por um pneu sem borracha: continua redondo, mas não serve para nada.

Depois há o lado quase religioso da coisa. Ventura surge como uma espécie de santo padroeiro do descontentamento, canonizado nas redes sociais por devotos que confundem sarcasmo com sabedoria e ódio com lucidez. É o milagre da multiplicação dos ressentimentos: basta um post e nasce um exército de iluminados prontos a jurar que o Messias da Queixaria vai salvar a pátria em directo no telejornal.

O argumento é tão eficaz quanto uma promessa da Junta: não explica, não prova, não sustenta, não funciona. É só barulho, espuma, teatro barato. É política de megafone: quanto menos conteúdo, mais grita. E quanto mais grita, mais parece que sabe o que está a dizer. Triste truque, mas funciona com quem acha que análise política é ver comentários no Facebook às duas da manhã.

A luta contra a corrupção não se resolve com slogans de feira. Resolve-se com instituições fortes, transparência a sério e reformas que doem. Mas isso dá trabalho, não dá “likes”, e não dá palco. E como o país adora um palco, aqui estamos nós a discutir milagres enquanto os problemas continuam sentados à mesa, a pedir outra rodada.

O resto é folclore político. E a conta desse folclore, como sempre, paga o contribuinte — com juros, multa e um sorriso amarelo.