Ventura: presidente de quê, mesmo?


Caros apoiantes do Chega,

S e há coisa que admiro em vós é a fé. Uma fé tão robusta que faria inveja a qualquer seita do deserto. Porque acreditar que André Ventura pode ser Presidente da República exige um músculo espiritual que nem Jerusalém conseguiria produzir: é necessário ignorar a Constituição, a História, a Geografia, o bom senso e, para alguns, a própria cartilha escolar da 4.ª classe.

Mas vamos por partes, como quem disseca um argumento antes que ele se desfaça sozinho, o que, no vosso caso, acontece com uma rapidez preocupante.

O Ventura quer ser Presidente da República com a mesma preparação com que um turista bêbado quer pilotar um Boeing: acredita que basta gritar mais alto do que o motor.

Confunde o cargo com um mix de influencer internacional, cheerleader partidário e animador de comício. Para ele, a Presidência é um passe VIP para aeroportos, almoços grátis e fotografias com bandeiras. A Constituição? Essa coisa aborrecida que atrapalha a narrativa.

Se isto não vos preocupa, então o problema não está na política; está no vosso limiar de exigência democrática, que, convenhamos, bate recordes subterrâneos.

É dar-lhe um globo que ele transforma a Terra num folheto de take-away:

  • A Turquia torna-se um kebab,
  • Cuba é resumida a um charuto
  • A Holanda é reduzida a erva
  • África é um bairro vago algures entre “lá longe” e “não sei, mas irrita-me”.

Se acreditam que esta visão tem qualquer utilidade na política externa portuguesa, então talvez também acreditem que o ministro das Finanças devia ser escolhido pelo talento a raspar raspadinhas.

  • Ventura não discute: berra.
  • Não argumenta: espuma.
  • Não propõe: reage.

E cada vez que lhe pedem soluções concretas, os neurónios entram em pânico como se alguém lhes tivesse pedido para resolver derivadas.

A vossa defesa habitual, “ele diz o que o povo sente”, apenas confirma o diagnóstico: não é política, é terapia de grito. E terapia não governa países.

Este ponto é simples e, por isso, costuma doer mais.

O vosso herói passa a vida a denunciar “os políticos que mamam do Estado”.

E quanto ganha o vosso campeão desde 2019?

€4.603,58 brutos por mês.

E nunca falhou um pagamento. Nem vocês, contribuintes devotos, que lá continuam a financiar o militante anti-sistema que descobriu no sistema a sua pensão de luxo emocional.

Se isto fosse coerente, eu seria bailarina do Teatro Bolshoi.

Ventura quer ser PR pelo mesmo motivo que um adolescente quer ser streamer: viagens, palco, atenção e comida paga por alguém que não ele.

A Presidência é para o Ventura o que o Benfica é para o seu imaginário: um altar de sonhos que esconde frustrações profundas. A diferença é que a política, ao contrário do futebol, pode destruir países.

E é aqui que entra a vossa responsabilidade:

não é apenas sobre o que ele quer — é sobre o que vocês permitem.

Se Ventura:

  • não compreende o cargo,
  • não domina a Constituição,
  • não formula políticas,
  • não possui literacia internacional,
  • vive do sistema que diz odiar,
  • substitui pensamento por berro,
  • e transforma o país num pretexto para a sua autofagia mediática…

Então digam-me, honestamente:

Como é que alguém que não consegue governar a própria impulsividade poderá governar a República?

É esta a pergunta que vos desarma, e é por isso que nunca a respondem.