A ilusão da “atratividade”


A ideia repetida até à exaustão de que a Madeira é “atrativa para trabalhadores remotos” tornou-se um daqueles mantras institucionais que soam bem, mas que desmoronam ao primeiro toque de realidade. Fala-se em “20 mil interessados” como quem recita um número mágico capaz de comprovar, por si só, uma prosperidade inevitável. Mas desde quando o simples interesse de alguém constitui prova de atratividade objetiva? Confunde-se curiosidade com compromisso, desejo com decisão, e estatística vaga com política pública séria.

O discurso oficial apresenta este suposto afluxo de nómadas digitais como sinal inequívoco de dinamismo económico e prestígio internacional. No entanto, esconde deliberadamente as condições materiais que deveriam fundamentar tal narrativa: acessibilidade à habitação, estabilidade dos serviços públicos, transportes eficientes, custos comportáveis, salários minimamente competitivos. Se a atratividade fosse real e sólida, não coexistiria com rendas proibitivas, dependência estrutural, salários estagnados e uma crise habitacional tão profunda que já expulsa residentes históricos. Atratividade sem condições é apenas publicidade.

Pior: o argumento é circular. Diz-se que a Região é atrativa porque há interessados, e que há interessados porque a Região é atrativa. Uma volta completa ao mesmo vazio conceptual, sem prova empírica, sem critério de verificação, sem qualquer disposição para admitir falha. É uma afirmação impossível de falsificar: nem rendas absurdas, nem serviços saturados, nem custos de vida galopantes parecem bastar para derrubar a narrativa. E o que não pode ser falsificado não é argumento, é dogma.

A insistência neste tipo de retórica tem consequências sérias. Alimenta a ilusão de que o desenvolvimento económico se mede por cliques, intenções ou questionários genéricos, e não por políticas públicas robustas que melhorem a vida real das pessoas que cá vivem. A Madeira precisa de soluções estruturais, não de slogans turísticos mascarados de análise económica. Precisamos de políticas que enfrentem a realidade, não de campanhas que a escondem.

Enquanto continuarmos a confundir interesse com progresso, permaneceremos presos à mais perigosa fantasia política: a de que a fotografia promocional tem mais peso do que a vida concreta de quem cá trabalha, paga rendas e tenta sobreviver. A atratividade que importa não é a que enfeita relatórios, é a que permite às pessoas viver aqui sem medo do fim do mês.

Nota: cuidado com a "atratividade", "olhó" Marítimo (link)