A oposição vai ter de pagar para ter notícias?


Excerto da "Publicidade" de página completa.

H oje Sérgio Gonçalves apresenta, em página paga no DN-M, o seu trabalho enquanto eleito madeirense no Parlamento Europeu. Não é padrão, é uma opção de comunicação política paga, se fosse um deputado do PSD isto aconteceria? Ou seria ao abrigo do Mediaram ou até por serviço público ao representante dos madeirenses?

Há fortes indícios de dependência estrutural do jornalismo na Madeira em relação ao poder político-económico local, o que condiciona a cobertura, reduz o escrutínio e incentiva práticas como a publicidade paga para “mostrar serviço”. Isto não é censura clássica, é condicionamento económico e cultural. Em meu entender, subtil.

Este episódio vai inaugurar um tempo onde a oposição terá de pagar para ter justa cobertura na comunicação social dos oligarcas da Madeira? É que depois de ver que o madeirense tem de se inscrever para ver a sua ilha, vejo uma "privatização" de tudo, e o madeirense alegre e contente na poncha.

Também hoje vejo um DN-M a puxar pela carroça, aflito para mostrar a sua honra quando os jornalistas são vistos no "beija-mão" festivo. A Madeira é um lugar de muito faz de conta, ilusionismo, fingimentos, mas o problema não é “o jornalista”, é o sistema. É isso que os molda, porque os mesmos já foram jornalistas, agora são publicitários.

Na Madeira temos um triângulo muito específico, de mercado publicitário reduzido, órgãos de comunicação social concentrados, proprietários com interesses económicos e relações políticas, Governo Regional como grande anunciante direto ou indireto, etc. Isto cria uma realidade simples quem paga muito, pesa muito!

Não é preciso telefonemas nem ordens explícitas, basta saber o que não compensa investigar, saber quem não convém melindrar, saber o que “não vende” conflito. E isto explica a fraca cobertura da política europeia? Ou é as mostras de ostracização do Governo Regional ao único deputado europeu da Madeira por ser socialista? Tacitamente o jornalista percebe o que tem a fazer? Em grande parte, sim. A atividade de um eurodeputado é desvalorizado por não gerar cliques, não ter impacto imediato, exige contexto e pode obrigar a comparar promessas com resultados, algo perigoso a um PSD que não tem nada para mostrar a este nível!

Num dia em que o DN-M se mostra como jornalismo ativo, logo não passivo, num sistema frágil, mas que prefere publicar comunicados, entrevistas cordatas, peças neutras ou… nenhuma peça, uma publicidade é justificável ao poder.

O resultado prático é que um político que quer visibilidade tem de pagar, é uma forma de justificar a brecha no sistema que o rejeita, isto significa que os jornais estão subjugados. Há dependência, e dependência limita liberdade, mesmo sem censura formal. Todos nós sabemos como isto funciona, a autocensura facilita o trabalho à autocracia. É por isso que não há jornalismo de investigação sobre aqueles que "compraram" o jornalismo para se tornar dócil para eles. Assim, não pode haver pluralismo editorial real e escrutínio regular do poder. O que hoje se tenta no DN-M é uma ilusão, e na mesma edição sai a publicidade de Sérgio Gonçalves. A publicidade paga de um eleito é um sintoma, não a causa, revela que o espaço público informativo não está a cumprir totalmente a sua função, a prestação de contas é feita em modo unilateral, o cidadão recebe informação sem mediação crítica, o que empobrece a democracia, mesmo sem autoritarismo.

Um representante do povo ter de pagar para mostrar serviço, colide com muitas primeiras páginas dos proprietários, com "masturbações". Para eles não há cobertura crítica, mas sim primeira página facilitada, não há cobertura sobre alguns com a Justiça à perna, mas a autopromoção não falta para que o cidadão fique a meio caminho da informação.

Depois de Sérgio Gonçalves ter brindado o jornalismo madeirense com uma ida à Europa para falar de Fake News, numa manobra de charme, isto é uma forma de gerar receitas ao ex patrão? Se é, também fica em posição incómoda. Tudo isto é muito esquisito. O tempo dissipará as dúvidas.

Uma oposição que pague notícias já não vai gerar falta de tempo e enfado para cobrir campanhas eleitorais?