Miguel, vamos lá falar como gente crescida: a conta da água.


A quela coisinha humilde, discreta, que este mês apareceu na caixa do correio com números tão gordos. Quase o dobro. O DOBRO. Quase que vinha com um aviso: “Parabéns, caro consumidor! Está agora a financiar sozinho metade das obras que ninguém pediu.”

Uma taxa de luxo para quem vive numa ilha onde a água parece ser tratada como se fosse champanhe francês. E enquanto nós contamos litros como quem conta moedas para o pão, tu decides lançar, com a elegância de um faraó em delírio, o teu próximo grande projeto visionário: um campo de golfe.

Numa era em que toda a gente fala de escassez de água, de alterações climáticas, de gestão sustentável, tu pensas: “Ah, que se lixe, o que a Madeira precisa mesmo é de regar milhares de metros quadrados de relva como se vivêssemos nas Highlands e não numa ilha semiárida com obras a rebentar pelo chão.” Tu topas sempre estas oportunidades épicas de mostrar que és um inovador da catástrofe.

A Madeira parece um queijo suíço com buracos feitos à pressa, mas tu insistes em enfiar mais um projeto. Sério, Miguel, já não chega? Fala comigo. Só um bocadinho de autorreflexão.

O arquipélago treme, range, a paisagem parece uma peça mal montada de LEGO prestes a desabar e tu respondeste a tudo isto com: “Golfe. Golfe é que vai salvar esta porcaria.” A tua teimosia já passa da teimosia e entra no território da burrice.

E sabes que mais?

Se tens esse fascínio por relvas imensas, água infinita e obras faraónicas, há um sítio perfeito para ti: Dubai. Olha que aquilo é a tua alma gémea urbanística, tudo grande, tudo caro, tudo quente, tudo artificial. Vai, Miguel. Segue o sol.

Leva o Eduardo Jesus, o teu dedicado porta-bandeiras, que aquilo lá adora gente que aplaude sem pestanejar. Leva-o contigo como mascote institucional, o “Lambe-Botas Oficial da Diáspora Madeirense”. E não te preocupes connosco. A Madeira não entra em colapso se tu desapareces um bocadinho. Pelo contrário. A gente renasce com a tua ausência.

Acredita.

Até respira melhor.

Mas antes de ires…

Voltemos ao essencial, pagaste a tua conta da água, Miguel? É que, se foi quase o dobro para nós, imagino que para ti deva vir com suplemento premium. Não te prendas. O aeroporto está logo ali. Prometo que ninguém te segura pelas pernas a chorar.

Voltando ao essencial, porque é isso que importa: a conta da água, Miguel. Já a pagaste?

Com os teus planos de transformar a ilha num parque temático de betão e relvado artificial, não vá a companhia começar a pensar que também és cliente normal e cobrar-te como a nós, quase o dobro, claro.

Afinal, alguém tem de financiar o teu sonho verde fluorescente.