Por que não te "callas"?


N a Assembleia Legislativa da Madeira, durante os dias épicos do debate do Orçamento, instalou-se um novo desporto radical: o silêncio dirigido. O líder do grupo parlamentar do PPD, visivelmente inspirado por maestros autoritários e professores de sala de aula em fim de carreira, decidiu que falar é um privilégio e calar, uma obrigação.

Começou por mandar calar o CHEGA, o que passou quase despercebido. Afinal, quando mal se fala, mal se sente. No último dia, depois das seis da tarde, a bancada do CHEGA resolveu ir jantar com André Ventura, abandonando o debate e o plenário. Uma saída estratégica: estavam apenas de corpo presente, calados pela bota política do incansável Jaime Filipe Ramos. A Iniciativa Liberal, desde a saída de Nuno Morna, limitou-se a confirmar a sua nova vocação: bengala de luxo do PPD, com discurso dobrável.

Mas o fenómeno do “cale-se” não ficou por aí. Dentro do próprio PPD, falar tornou-se um ato de rebeldia. Figuras conhecidas pela sua verve desapareceram misteriosamente do microfone. Onde andaram os antigos presidentes de câmara Ricardo Nascimento e Carlos Teles? E José António Garcês, o homem que carregou São Vicente às costas, para a derrota? Dizem os corredores que está de castigo, penitência aplicada pelo Grande Jaime, com bênção direta de Miguel Albuquerque.

Contudo, o ponto alto da noite foi reservado para quase às nove. Entra em cena o deputado Mira, ainda com o brilho do Nobel da Paz refletido no olhar e vontade de falar sobre tudo, absolutamente tudo. Já cansado se calhar pela hora, o líder parlamentar do PPD não resistiu e brindou o plenário com dois gritos que ecoaram como trovões tropicais: “O que é que este gajo vai falar?” e “Bricio, quem deu indicação para o Carlos falar?”. Silêncio. Constrangimento, e alguns sorrisos por parte da oposição.

Ao que parece, o Mira já não mora nas boas graças como dantes. Talvez o Nobel pese e exposição mediática também, talvez sejam as amizades exóticas de Rui Abreu com o chavismo, talvez seja apenas excesso de palavra num partido que prefere o sussurro obediente. Certo é que os astros alinham-se para ver Mira fora do Parlamento, e quem sabe da Madeira, esperemos bem que sim, já estamos fartos do sotaque mira. Se assim for, pelo menos uma coisa positiva o PPD poderá reclamar: finalmente conseguiu calar toda a gente.