A paz podre na Madeira


A paz social na Madeira é construída em volta de um silêncio sepulcral de quem, acima de tudo, deveria defender os interesses dos madeirenses e não o faz.

A sociedade madeirense sempre se regeu pelo bem da Madeira, sabe-se lá o que isso é, em vez do bem do madeirense. Jardim soube desenvolver o «nós contra eles» e o «sozinhos contra o mundo» de uma forma populisticamente brilhante, ainda mais porque o discurso grassava o politicamente incorreto e, o calão que animava as hostes regionais, fazia o típico comentador de tasca sentir-se identificado. De resto, são os saudosistas desse tempo que hoje embarcam em movimentos populistas que, quantos mais inimigos externos anunciam, mais vociferam e se dizem anti-sistema, quando o que estão a fazer é a compactuar com o sistema e com os seus múltiplos vícios.

A saúde na Madeira está um caos. Não é de agora, não foi da pandemia. Há décadas que os problemas se arrastam, mas desde 2012 que chegaram a um novo nível de balbúrdia com graves consequências para quem tenta usufruir do serviço.

O crescimento das listas de espera que o SESARAM tenta insistentemente encobrir é apenas a parte visível da desordem que reina cá dentro, onde classes profissionais não se entendem e onde falta tudo – medicamentos, camas, cadeiras, materiais e equipamento, manutenção contra avarias, fardas, luvas, agulhas, até papel higiénico. Digam algo que se lembrem e é certo de que falta ou já faltou recentemente nas instalações de saúde.

Sem condições para prestar serviços adequados, os profissionais desesperam: a atividade passa sempre por correr atrás do prejuízo, tentando, quais cães pastor, recolher o máximo de ovelhas possível e encaminhá-las para o pasto, mesmo que não sejam essas as orientações do sistema.

É fácil de ver: o Secretário diz querer apostar no paliativo, mas as camas continuam a aumentar, pois as existentes estão repletas de casos crónicos. Contratam-se profissionais, particularmente médicos, mas a eficiência do serviço está condicionada e o número de consultas efetuadas não reflete o custo, há quem prefira encaminhar para o duplo vencimento que até já gerou choques em pleno corredor com colegas que não concordam com a prática. Gastam-se milhões em tratamentos e muito pouco em prevenção, porque a situação deteriorou ao ponto de uma em cada três consultas ser de urgência e um em cada dez madeirenses precisar de internamento todos os anos. A culpa disto é de quem passou anos sem resolver os problemas nem reorganizar o sistema, por muito que tentem apontar o dedo aos utentes por não fazerem diagnósticos acertados em casa, quais médicos do google a tentarem perceber a gravidade dos sintomas enquanto os sentem. 

A peça que faz capa no DN e reações, demonstram que a paz social neste lado do Atlântico fede de tão podre que está.

Os sindicatos regionais sempre tiveram pouca expressão até nas fases áureas da sindicalização, porque o regime sempre ditou que, quem no privado se sindicalizasse, estaria a meio caminho do desemprego. Sobram os sindicatos dos profissionais públicos que, apesar dos problemas de progressão de carreira e de ineficiência laboral por estarem dependentes de chefias políticas que sabem menos que eles, têm o privilégio de, na sua maioria, não serem precários e estarem imunes ao despedimento, fruto de leis laborais nacionais que impedem algumas repercussões, infelizmente naturais nesta região, de se insurgirem contra o regime e dizerem uma palavra fora da cartilha.

As Ordens regem-se por regras diferentes, mas o objetivo deveria ser o mesmo. E se no caso dos enfermeiros, até pelas injustiças que sentem relativamente à outra classe médica, procuram ter uma voz ativa e crítica sobre o que consideram estar errado, a dos médicos foi tomada de assalto há alguns anos por pessoas pouco interessadas em ver mudanças significativas no que acontece por cá.

Gil Bebiano teve uma entrada a pés juntos. Na semana em que tomou posse, defendeu o aumento do preço das consultas convencionadas. Até pode ter alguma razão, tendo em conta a falta de atualização do preço desde 2008, mas numa altura em que a saúde na Madeira nunca esteve tão mal, algo que o beneficia profissionalmente, e sabendo da situação de emergência social em que está a saúde da região, pedia-se um pouco mais de sensibilidade e que soubesse ler a sala. Em reação a este artigo, o presidente do Conselho Regional da Ordem assumiu-se como o maior defensor do governo e do caos instalado, de uma forma até mais contundente que os próprios políticos.

Numa terra em que a maioria da população parece adormecida, conformada com a sua desgraça e alienada da sua contribuição cívica, os grupos organizados ganham uma preponderância superior. A influência que o poder instalado tem sobre esses grupos, silenciando-os ou usando-os como potenciadores da sua influência obriga a uma cuidadosa reflexão. Este «Ministério da Verdade» com tentáculos sobre tudo o que é associativismo e organizações ‘independentes’, com direções focadas no indivíduo que se quer promover, requer um repúdio veemente. As mensagens de que tudo está bem e de que as políticas são perfeitas, são típicas de regimes autocráticos e de ditaduras e são sempre falsas. 

Enviado por Denúncia Anónima.
Sexta-feira, 03 de Março de 2023
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