N os últimos tempos a especulação imobiliária tem vindo a inflacionar perigosamente o valor de compra e de renda das casas. A escassez de moradia e os preços exorbitantes são cada vez mais uma preocupação dos agregados familiares. Casas existem para todos, o problema reside nos preços inflacionados e apenas acessíveis ao mercado estrangeiro e a determinadas carteiras, mas não acessíveis ao madeirense comum. Estamos a caminhar para um fenómeno de segregação urbana atraindo os estrangeiros para a cidade e empurrando os funchalenses de classes médias e baixas para a periferia? Não terá o cidadão local tanto ou mais direito a viver na sua cidade do que aquele que o visita? O comum funchalense está a tornar-se “cidadão de segunda”? A continuar assim certamente iremos vivenciar um intercâmbio territorial onde os estrangeiros vêm para cá viver e nós vamos emigrar para lá, para a terra deles porque já não podemos pagar para cá viver. Aliás, já está mesmo a ser difícil visitar muitos locais turísticos da ilha.
O marketing imobiliário afigura-se tão agressivo ao ponto de os angariadores entrarem no interior dos condomínios e bater porta em porta, questionando os condóminos se querem vender o seu apartamento, argumentando que a altura é boa para vender. Outros deixam bilhetes manuscritos na caixa do correio com frases como “Estou interessado em apartamento T1 ou T2 nesta área. Ligue-me”. Na internet multiplicam-se anúncios de imobiliárias com frases como “ Ambiciona realizar um investimento direcionado para AL? Este apartamento é ideal para rentabilizar para AL”. Tudo é ideal para o forasteiro.
A estratégia fiscal do Município do funchal até 2025 visa atrair os jovens até aos 35 anos para residir no concelho do Funchal, projetando para tal reduzir a carga fiscal através da isenção de IMT e IMI. Será mesmo suficiente? A escassez da oferta, os alugueres exorbitantes e os baixos ordenados não possibilitam nem o aluguer quanto menos a aquisição de moradia. A emigração das faixas etárias mais jovens para outros países é cada vez mais uma solução no horizonte dos jovens em início de carreira, os quais já sucumbem ao desejo de emigrar, contribuindo assim para que a população regional se torne cada vez mais envelhecida e “estrangeirada”. A habitação está a ser perigosamente usada como investimento financeiro do lucro fácil do AL e dos Vistos Gold. A este ritmo e quando as imobiliárias não tiverem mais nada para vender, o promissor trabalho do futuro será tornarmo-nos todos empregados de limpeza dos AL e das mansões dos “nacionalizados estrangeiros” residentes na ilha.
E o que acontece ao resto da população menos jovem que já não encontra casa com valores decentes para viver e já não tem idade para emigrar? O direito básico de qualquer cidadão é poder comprar os bens essenciais, pagar a renda no fim do mês e não ter que mudar constantemente porque o senhorio não renova o contrato, argumentando que ganha mais com AL. Os madeirenses não são inquilinos atrativos.
É tão acertado acabar com esta escandalosa e perigosa escalada da sobrevalorização dos preços “para inglês ver” quanto é urgente acabar com os vistos Gold e limitar o AL. Infelizmente na Madeira vê-se tudo através de uma lupa de aumento, desfocada, iludida e desajustada da realidade, onde o lucro fácil de alguns, justifica tudo e se sobrepõe de forma escandalosa às necessidades básicas de habitação da população funchalense. É triste constatar que pela ambição de alguns se esteja a comprometer a imagem de um destino de todos e construído ao longo de séculos. Mais frustrante é saber que isso já aconteceu com destinos perto de nós e que foram preciso anos para corrigir o erro e tentar resgatar o perdido. O investimento e o lucro jamais deveriam sobrepor-se ao direito à habitação condigna dos cidadãos. Urge implementar ações governamentais de planeamento sócio urbano, antes que se viva “no estrangeiro dentro da Madeira” e se venda a Madeira retalhada a forasteiros. Há sempre um limite a respeitar e uma janela de tempo para atuar, depois será tarde demais para reverter a ambição desmesurada e recuperar a genuína imagem desta ilha que se fez graça à sua beleza natural. Chega de betão, alcatrão, voos low cost, monóxido de carbono, vistos Gold, Al, turistas de mochila e chinelos…
Será que precisamos mesmo dos turistas low cost? Alguns pontos turísticos estão tão apinhados de turistas chegando mesmo ao ponto de ser impossível estacionar para os visitar, como é o caso do Pico do Areeiro, Ribeiro Frio… Está tudo a mudar a um ritmo alucinantemente preocupante. Podemos suportar o congestionamento de tantos carros de aluguer? O crescente congestionamento automóvel nas nossas exíguas estradas e o monóxido de carbono no ar que respiramos já não interessa? Alguém já pensou em fazer um estudo de impacto ambiental? Por que razão o nosso governo não intervém no atentado ambiental dos turistas low cost nas nossas serras? Afinal a pegada ecológica já não é importante? Ficar enfileirado à espera no meio da multidão no Cabo Girão era mesmo sine qua non?…Porquê pagar taxas e taxinhas aqui e acolá, provocando amontoamentos, atrasando e importunando turistas e locais? Há coragem para efectuar um referendo junto da população…? Afinal a população só serve para a cruzinha no boletim de voto dia de eleições? Não era tão simples e pratico pagar à entrada no aeroporto uma só taxa única, como se faz noutros países? Elementar…Uma taxa única com apenas um fim: proteção do meio ambiente e financiamento de meios para tal, porque afinal é a nossa paisagem natural o motivo pelo qual nos visitam. Porque à Madeira tudo se tira e explora mas para a sua sustentabilidade sobreviver há que lhe dar algo em troca.
Mais vale brilhar pela imagem de possuir pouco e bom do que ter muito de nada, porque o muito de nada acaba por se suicidar e aniquilar irremediavelmente a imagem do todo. Será que o lucro fácil gerado pelo AL e vistos Gold e a “dinamização da economia” em geral justificam a descaracterização da imagem da ilha? Os nossos filhos e netos não têm o mesmo direito de conhecer a beleza da paisagem daquela a quem se deu o nome de “Jardim do Atlântico”? As saudades da Madeira de outrora aumentam inegavelmente a olhos vistos para todos e a nostalgia começa a ceder lugar ao descontentamento geral.
Enviado por Denúncia Anónima.
Terça feira, 18 de Abril de 2023
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