N um território insular de 250 mil habitantes, a democracia pode ser facilmente subvertida se um grupo de poder souber explorar os mecanismos certos. Inocentemente, tentarei descrever um modelo tão minucioso quanto possível, de como um regime pode ser estabelecido de forma camuflada, garantindo que as eleições perpetuem sempre os mesmos no poder, sem que a maioria da população perceba estar vivendo sob uma ditadura velada. Há sempre uma razão para voltar a votar nos mesmos, e estes ainda apontam para a necessidade de eleições, quando alguns vão no primeiro ou segundo mandato. Ressalvo que não sou autocrata ou ditador e posso falhar na minúcia da perversão total.
O primeiro passo para capturar o poder de forma duradoura é garantir que a economia esteja, de alguma forma, dependente do grupo dominante. Isso pode ser feito através de:
- Empregos públicos e subsídios controlados: se uma parte significativa da população for empregada pelo governo ou depender de auxílios financeiros controlados pelo Estado, o medo de perder a fonte de rendimento tornará as pessoas leais ao regime.
- Monopólio empresarial: garantir que os aliados do governo tenham controlo sobre os principais setores económicos da ilha (supermercados, combustível, transportes, construção civil, redes viárias, comunicação, saúde, etc) assegura que qualquer dissidência possa ser punida economicamente.
- Favores a empresários locais: empresas que colaboram com o regime recebem vantagens fiscais, contratos públicos, ajustes diretos e facilidades burocráticas, em troca de apoio político e financiamento de campanhas.
Manipulação do Sistema Eleitoral
Mesmo mantendo eleições periódicas, é possível garantir que os mesmos grupos permaneçam no poder através de:
- Bases de dados públicas ao serviço do partido: informações pessoais ao dispor do aliciamento por funcionários públicos, sobretudo segurança social, saúde e lares.
- Compra indireta de votos: uso de programas sociais para influenciar a população, fazendo parecer que são benefícios espontâneos e não estratégias de perpetuação no poder. Anunciado pagamentos, prémios, indemnizações, etc, antes das eleições.
- Vontade de redesenhar os círculos eleitorais: redesenho das divisões eleitorais para favorecer áreas de maior apoio ao governo e enfraquecer votos oposicionistas.
- Boatos e intimidação: disseminação de notícias falsas para descredibilizar candidatos opositores e uso de forças de segurança para intimidar adversários políticos discretamente. Usando o humor ou o desopilar para atingir a credibilidade dos oponentes mais fortes, criando suspeições que parecem brincadeirinha.
Controlo da Informação e da Opinião Pública
- Promover a notícia trivial, a graçola, a curiosidade, fait-divers, eventos, desporto, etc.
- Domínio dos meios de comunicação: se os principais jornais, rádios e televisões estiverem sob controlo do regime (seja por posse direta ou influência financeira), qualquer crítica relevante ao governo será minimizada ou censurada.
- Uso de comentadores em autocensura porque dependentes por alguma razão, ou até de jornalistas já despudorados.
- Uso de influenciadores e redes sociais: criar um exército de perfis falsos ou aliados pagos para defender o regime online e atacar opositores ou até neutralizando seus perfis, blogues ou qualquer meio de comunicação social.
- Tomar posse ou comprar acesso aos maiores grupos locais das redes sociais.
- Silenciar, amedrontar ou denegrir a opinião pública, válida e livre.
- Propaganda subliminar: utilizar eventos culturais, desportivos e religiosos para reforçar a imagem positiva dos governantes.
- A promoção da comunicação das instituições dominadas por membros do partido em favor do partido ou por subserviência aos subsídios recebidos.
Judicialização e Repressão Oportuna
Mesmo sem violência explícita, o regime pode utilizar mecanismos legais para sufocar a oposição:
- Processos judiciais seletivos: investigações e acusações formais contra opositores podem ser usadas para desacreditá-los, mesmo sem provas concretas, basta o registo da queixa para fins de propagação na comunicação social.
- Legislação contra a “desordem” ou “fake news”: criar leis vagas que permitam censurar críticos sob o pretexto de evitar a disseminação de informações falsas ou ameaças à ordem pública.
- Ameaças veladas: empresários que financiam opositores podem sofrer auditorias fiscais abusivas, e jornalistas podem ser intimidados com processos judiciais caros.
- Uso dos advogados subordinados a avenças ou contratos com o regime para intentar, perseguir e atacar judicialmente quem é inconveniente.
Criação de uma Oposição Controlada
- Para manter a aparência de democracia, é importante que existam adversários políticos, mas que sejam manipuláveis ou inofensivos.
- Oposição submissa: cooptar líderes opositores oferecendo benefícios pessoais, cargos públicos, melhorias salariais no público ou ameaçando as suas famílias e negócios.
- Partidos de fachada: promover ou financiar grupos políticos que aparentam ser oposição, mas que servem apenas para dividir votos da verdadeira resistência. E, de ora em vez, passam a coligados.
- Permissão para pequenas vitórias: conceder à oposição algumas pequenas conquistas (como lugares no parlamento ou câmaras menores) para manter a ilusão de equilíbrio democrático.
Estratégia de Longo Prazo: Normalização e Esquecimento
- Educação doutrinária: o sistema educacional pode ser moldado para ensinar uma versão favorável da história e da política local, garantindo que novas gerações aceitem a situação como normal.
- Criar uma cultura do comodismo, do enfado, da falta de ambição, da falta de hábitos de eitura, da cultura do Nós ou Eles, do inimigo externo, etc.
- Desgaste da oposição: com o tempo, críticos mais aguerridos vão sendo marginalizados, "comprados", desestimulados ou eliminados politicamente, ao que depois acede gente de fraca qualidade para o lugar.
- Alternância aparente: o mesmo grupo pode se alternar no poder com figuras diferentes, garantindo que não haja desgaste excessivo na imagem de um único governante. Nalguns lugares operam-se verdadeiros milagres quando a doutrinação e apatia ignoram realidades gravíssimas.
Uma pequena ilha (pequeno reduto de eleitores) pode manter a aparência de democracia enquanto perpetua um regime autoritário disfarçado. O controlo económico, a manipulação eleitoral, o domínio da informação e a repressão seletiva, são armas poderosas para garantir que as eleições tragam sempre os mesmos resultados. Se acaso falha, todas as instituições "arregimentadas" entram ao ataque criando um ambiente, de novo forjado, contra os novos representantes. É comum, nessa altura, mostrar todos os erros de má gestão no mandato dos outros.
Assim, o povo continua votando, mas sem perceber que as suas escolhas foram há muito tempo moldadas por um sistema que só permite uma ilusão de liberdade. Pode-se passar décadas e ninguém repara.
Dava um grande filme, mas agora só têm sucesso filmes com muita ação e explosões, disso só houve no início da democracia camuflada, dizem que por alguns que ostentam chaveiro da ordem.
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