O "Cagaçal" da vitória dos NAPA e a defesa cega da ilha.


T odos os anos é a mesma coisa: acaba o Festival da Canção e o Facebook transforma-se num ringue de gladiadores musicais. Este ano, com a vitória dos NAPA, o espetáculo não foi só no palco – foi também nos comentários inflamados de quem, de repente, virou crítico musical.

Se a música é boa? Se vai longe na Eurovisão? Isso já ninguém sabe. Mas uma coisa é certa: quando ganha alguém das ilhas, a gritaria aumenta. Uns falam em "justiça histórica", outros em "favoritismo descarado". Uns dizem que é a prova de que Portugal inteiro é representado, outros garantem que só ganharam por serem das ilhas. No meio disto tudo, a música passa para segundo plano e fica só a guerrinha de sempre.

E, como esperado, a cada crítica ou discordância, há uma verdadeira onda de defesas inflamadas, de quem não admite sequer uma opinião contrária. Vários “entendidos” ligados à área artística, como é costume, não perdem tempo e logo se manifestam, chamando de “invejosos” e “negacionistas” todos aqueles que ousam questionar a vitória. Porque, claro, se alguém não gostou ou não concorda, só pode ser por despeito, certo? A música já não é uma expressão artística, mas sim uma batalha de valores. Ninguém pode dar opinião, porque logo caem em cima, como se fosse proibido discordar da unanimidade criada pelo "cagaçal" das redes sociais.

Agora, é oficial: não é só música, é "aquela música" – não a comercial, como a que se ouve no resto de Portugal (óbvio que inferior). A Madeira, claro, com sua aposta nas escolas, públicas e privadas, deve ser o berço de todos os futuros vencedores da música portuguesa. Não bastasse a vitória, ainda temos a certeza de que Portugal finalmente terá a sua grande representação na Eurovisão! Os outros, claro, devem estar a roer-se de inveja, como sempre.

E como não podia deixar de ser, nestes momentos aparecem sempre as reflexões profundas dos gurus da música nacional. Li, ao acaso, um texto onde alguém defendia que os números falam por si: se a canção tem mais audições do que as outras, então deve ser incrível. Porque, claro, 1 milhão de audições em poucos dias significa automaticamente que a música vai sobreviver ao tempo. Como se não tivéssemos já visto centenas de sucessos virais que desapareceram mais depressa do que surgiram.

Mas o melhor é o argumento clássico: “A música nem devia ser competição.” Engraçado, porque ninguém diz isso quando ganha a sua música preferida. O Festival da Canção existe precisamente para ser uma competição. A Eurovisão existe para ser uma competição. Mas, quando se critica um resultado, vem logo a ladainha de que "a música é arte, não competição". Pois bem, se é só arte e não deve haver disputa, então que se acabe com o Festival e pronto. Mas enquanto houver um concurso, haverá sempre quem analise e discuta os critérios.

E a cereja no topo do bolo é a legião de comentadores de sempre, incluindo os “entendidos” do ensino de música na Madeira e do conservatório, aqueles que andam como lapas e abutres há tantos anos a fazer… não sei bem o quê. Alguns têm tanto trabalho que são capazes de passar 40 anos a levantar um cancioneiro popular da Madeira. Um levantamento épico, sem dúvida, digno de uma investigação arqueológica.

No fundo, o que estamos a assistir é à queda do Império Romano do Festival da Canção. Aquela época de excelência, onde a interpretação, a dicção, o cuidado com a construção musical eram prioridades, já lá vai. No passado, o Festival era um evento de grande prestígio, com orquestrações majestosas, músicas que atravessavam épocas, e competições que eram mais uma celebração da arte do que uma busca desesperada por audiência. Agora, vale mais a gritaria de quem defende o indefensável, como se a música se medisse apenas em números e campanhas de likes.

Na Eurovisão, não é diferente. O que um dia foi um concurso de grandes temas e apresentações de classe, com artistas bem vestidos e performances que eram mais uma apresentação de arte do que simples entretenimento, parece ter virado apenas mais um show medíocre para agradar ao gosto das massas. Ou será que nos iludimos, imaginando que a arte poderia ter um espaço neste tipo de competição? No passado, podia-se ver um concerto que realmente levava a música a sério, com grandes orquestras e temas de peso. Agora, tudo o que vemos são palhaçadas para agradar à plateia, como se qualquer coisa servisse para justificar o nome "entretenimento elevado à arte".

E no fim, a grande cereja no topo do bolo é a certeza de que, com a vitória dos NAPA, o próximo passo será nada menos que Montreux, porque, sim, esse estrondo que esta canção está a causar na Europa não vai ficar por aqui. Portugal será representado, mas será no mesmo molde de sempre, na busca pela validação de um público sedento por algo fácil, sem exigir muito. A música portuguesa, que já teve um dia de grande brilho e dignidade, parece caminhar para um futuro onde ser bom é quase irrelevante – o que importa é estar na boca do povo, seja pela razão certa ou errada.

Podem passar muitos festivais, mas para chegar à excelência do que já foi feito, nem é preciso numerar os poetas, compositores e cantautores de categoria. Não estes pequenos pretendentes a vedetas do Music Hall.

Agora, resta-me aguardar ansiosamente pelas entrevistas do Dr. Miguel Albuquerque aos jovens vencedores. Depois de estadista, presidente, visionário e homem das mil artes, agora também se revela como grande entrevistador. Mal posso esperar para ver perguntas inteligentes como:

– “Então, como é que se sentem?”
– “Já comeram lapas desde que ganharam?”
– “Acham que a vossa vitória foi boa para a economia da Madeira?”

Sim, senhores, estamos numa mesmo numa nova era!

Enviado por Denúncia Anónima
Domingo, 9 de março de 2025
Todos os elementos enviados pelo autor.

Adere ao nosso canal do Whatsapp
Adere à rede social europeia Mastodon: a nossa conta
Adere à nossa 
Página do Facebook
Adere ao nosso grupo do Facebook: Ocorrências CM
Segue o site do Correio da Madeira
Link para donativo

Enviar um comentário

0 Comentários