M achico celebra mais um 25 de Abril com um cartaz bonito, flores vistosas e os nomes do costume. E aqui está o problema: os nomes do costume. Ano após ano, o palco da liberdade em Machico é ocupado pelas mesmas figuras, os mesmos discursos, os mesmos moldes, como se a revolução tivesse parado no tempo e a cultura local fosse um vinil riscado, a tocar em loop.
Sim, honrar o passado é importante. Mas não há maior traição ao espírito de Abril do que a estagnação, a exclusão e o comodismo institucionalizado. O que se vê em Machico é um ciclo fechado, quase hermético, onde as oportunidades artísticas e culturais giram entre uma elite rotativa, protegida por uma teia de conveniências e favoritismos que parece mais antiga do que o próprio cravo da lapela.
Onde estão os novos artistas? Os músicos que não pertencem às bandas “oficiais”? Os escritores de rua, os performers de Instagram, os jovens com algo a dizer mas sem cunhas para entrar? Porquê é que a juventude, que deveria ser o motor da liberdade, é tratada como figurante neste espectáculo repetido?
Machico tem talento a fervilhar, disso não há dúvida. Mas falta-lhe vontade política e coragem cultural para abrir as portas. Falta descentralizar o poder simbólico, democratizar o acesso à criação artística, parar de fingir que cultura é apenas coral, banda filarmónica e sessões protocolares com discursos reciclados. Nada contra quem lá está, mas tudo contra não haver espaço para mais ninguém.
Se queremos um Abril vivo, precisamos de um Machico que ouça, veja e arrisque. Que permita o erro, o improviso, a irreverência. Cultura é movimento, é provocação, é confronto saudável com o status quo. E Machico, neste momento, não está a celebrar a liberdade, está a arquivá-la.
E a julgar pelo cartaz, só falta o padre Martins de sanfona a cantar o “Avante Camarada”, com a vereadora da cultura, sua fã número um, a acompanhar na pandeireta, ladeados pelos demais marxistas do concelho numa jam session revolucionária. Tudo muito livre… desde que sejam sempre os mesmos a tocar.
Depois, quando chega a hora de “cantar Abril”, ouve-se sempre o mesmo disco estereotipado. Nada muda. Tudo cansa. E a pergunta que fica é: será este o verdadeiro propósito do dinheiro público? Financiar o eterno bailarico popular com pão com chouriço e ruído sem conteúdo? Ou deveria servir para também educar, desafiar, abrir mentes e dar espaço a novos artistas?
Vão ver como se faz noutros países. Cultura não é apenas entreter o povo — é também inquietar, transformar, provocar. Porque se Abril não servir para isso… então é só mais um feriado com cravos e retórica vazia.
E para rematar, há ainda a nota de rodapé mais reveladora de todas: a vereadora da cultura esteve ausente por motivos pessoais e deixou tudo entregue ao vendaval. Isso diz tudo. A Cultura, em Machico, foi deixada ao abandono. Sem liderança, sem visão, sem ousadia. Uma ausência que se fez sentir — e que resume o estado das coisas melhor do que qualquer cravo na lapela.
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