"Motivos Pessoais", o silêncio ensurdecedor do PSD no Funchal.


O artigo recentemente assinado por Pedro Nunes (link), filho do médico pediatra José Luís Nunes, publicado no Jornal da Madeira, é tudo menos um mero desabafo pessoal. É uma denúncia subtil, mas devastadora, sobre o estado a que chegou o PSD no Funchal. Sob o título aparentemente inócuo de “Motivos Pessoais”, esconde-se uma radiografia política de uma candidatura que nasceu morta, encenada à pressa, desprovida de substância e feita à imagem de Pedro Calado, o verdadeiro protagonista ausente da história.

Fica claro, nas entrelinhas, que a desistência de José Luís Nunes da corrida à Câmara não se deveu, como se tentou fazer crer, a uma qualquer fadiga emocional ou dificuldade de agenda. A gota de água foi a presença de nomes manchados por processos judiciais, casos como o de Patrícia Dantas, acusada em processo de corrupção, ou o de António Ferreira, suspeito de favorecimento no caso da utilização de rocheiros do governo por parte das empresas de construção, principalmente a Tecnovia, num projeto político que se queria limpo, reformista e independente. O retrato traçado por Pedro Nunes é inequívoco: o seu pai não quis ser o rosto respeitável de um arranjo que cheira a continuidade dos velhos vícios, dos interesses da construção civil e das combinações de bastidores.

E não se trata apenas de quem entrou na lista. Trata-se também, e talvez mais, de quem recusou entrar. A recusa de Lina Camacho, ex-diretora da Autoridade Tributária, para conferir a seriedade de um projeto que não a tinha, diz muito. Diz, por exemplo, que até os independentes, mesmo os ideologicamente próximos, não quiseram servir de verniz democrático a uma lista que só serve os desígnios de Calado. A posição de Carla Severim no número 3, prima do ex-presidente, e de um homem de mão dos empresários da construção no número 4, António Ferreira, são sintomas de um PSD que confunde família com estratégia, e clientelismo com renovação.

"Fica Calado", escreve o autor, com um “C” maiúsculo e um sentido político ainda mais elevado. Uma crítica fina e irónica, que aponta para o verdadeiro problema: Pedro Calado continua a manobrar por detrás das cortinas, esperando que alguém ocupe temporariamente a cadeira de presidente até que a sua sucessora, escolhida a dedo, suba ao trono. A marioneta era José Luís Nunes; a ventríloqua, a número dois da lista.

Numa conjuntura normal, uma lista tão frágil, tão mal amanhada, tão colada ao passado recente de escândalos e compadrios, seria impensável de vencer. Mas se não surgir nenhuma candidatura independente forte, o PSD pode mesmo voltar a ganhar a autarquia. Não porque convença, mas porque o eleitorado ficará sem alternativa. Ainda assim, mesmo que vença, dificilmente governará com maioria. A cidade do Funchal não vota de olhos fechados. E o silêncio de Calado pode, afinal, revelar-se ensurdecedor.

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