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Percebe-se porque a Armada chegou ao estado que chegou pela opinião acerca do ferry. |
N a Europa, praticamente todas as nações costeiras oferecem aos seus cidadãos e visitantes uma teia complexa e eficiente de ligações ferry. Do Reino Unido à Noruega, da Grécia à Croácia, da França à Itália, os ferries são parte do quotidiano e não apenas uma curiosidade de verão. São um meio de transporte acessível, seguro e económico que liga ilhas a continentes, encurtando distâncias e fortalecendo economias locais.
Mesmo entre países rivais ou que mal se toleram politicamente, lá estão eles: os ferries, ziguezagueando entre portos, carregando turistas, trabalhadores e mercadorias. Todos parecem entender que a mobilidade marítima é vital, todos, menos um pequeno arquipélago à deriva no Atlântico, onde o mar é vasto, os preços são absurdos e o monopólio manda e desmanda: Madeira.
A ideia de criar uma ligação ferry entre a Madeira e o continente português não é nova. Não é sequer revolucionária. É apenas lógica, racional e justa. Uma ligação marítima permitiria aos madeirenses viajar com veículos, bagagens e até cães de loiça se quisessem, a preços mais baixos do que os praticados pelas companhias aéreas e, muito importante, introduziria concorrência num mercado que grita por ela.
Com um ferry, o transporte de mercadorias tornaria-se mais barato, o turismo menos sazonal e as famílias poderiam deslocar-se sem terem de hipotecar um rim por um bilhete de avião. Aumentaria a liberdade de escolha, coisa que, para alguns, parece ser uma ameaça em vez de uma oportunidade.
Mas, claro, sempre que uma ideia sensata surge na Madeira, aparece alguém a garantir que é uma má ideia. Eis que surge, de braços cruzados, o Sr. Luís Miguel de Sousa, dono da famosa (ou infame, dependendo do humor) empresa Grupo Sousa, que controla o transporte marítimo de carga para a Madeira através da sua empresa GSL/GASLINK. Sousa nunca escondeu o seu pouco entusiasmo pela criação de uma linha ferry para passageiros e viaturas entre a Madeira e o continente.
Mas porquê? Por uma profunda preocupação pelo ambiente? Pelo bem-estar dos madeirenses? Ou será porque isso poderia diluir o monopólio que há anos enche as suas arcas? A resposta parece óbvia.
Segundo Sousa, um ferry não se justifica porque “não é viável”. Claro. As dezenas de rotas semelhantes por toda a Europa, muitas menos populosas e menos turísticas do que a Madeira, devem, aparentemente, viver num universo paralelo de viabilidades alternativas. É de rir.
E quando pensamos que o enredo não podia ser mais caricato, entra em cena o Almirante Gouveia e Melo, sim, o herói mediático da vacinação COVID, que surge, sabe-se lá porquê, na Madeira, de braço dado com a GASLINK, empresa de Luís Miguel de Sousa. Coincidência? Interesse legítimo? Quem sabe? Afinal, os almirantes também precisam de emprego civil depois das glórias televisivas.
E que diz o ilustre almirante sobre o ferry? Pois claro: "Não vejo necessidade." Pronto, está decidido. Se o almirante não vê necessidade, o povo pode esquecer o assunto. Afinal, quem melhor do que um especialista em submarinos para opinar sobre ferries? Mais valia ter perguntado ao Neptuno.
A verdade inconveniente é que uma ligação ferry Madeira-Continente é não só necessária, como inevitável se algum dia se quiser tratar os madeirenses como cidadãos de pleno direito. Baixar os preços das viagens, abrir o mercado à concorrência e beneficiar a economia local não devia ser uma heresia. Mas, num arquipélago onde meia dúzia de figuras controlam quase tudo, até um ferry se transforma numa ameaça existencial. É que, para alguns, manter as pessoas presas e dependentes sempre foi um excelente modelo de negócio. E se há coisa que assusta quem manda, é o cheiro a liberdade. Ou a gasóleo barato.
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