A candidatura do Chega Madeira à Câmara Municipal do Funchal surpreendeu os funchalenses — e, sejamos justos, o país inteiro — ao anunciar que, se vencerem, vão criar brigadas para fiscalizar os bairros da cidade. Isso mesmo: brigadas. Não de limpeza urbana, não de sensibilização social, mas de “fiscalização”. Fiscalização do quê, perguntam vocês? Segundo o partido, dos flagelos que assolam os bairros sociais: insegurança, tráfico de droga, banditismo, comportamentos desviantes e... desrespeito pela habitação social.
É uma proposta ousada. Inédita, até. Pela primeira vez em Portugal, um partido faz campanha dizendo, sem demagogias nem vaselina retórica, que o eleitorado é criminoso, vândalo, terrorista, selvagem e malcriado. Uma espécie de marketing político invertido: “Ou deixam de ser feios, porcos e maus... ou metemo-vos na linha!”. Uma abordagem pedagógica à antiga, quase romântica — com rédea curta e cacete pedagógico.
Agora, convém reconhecer: é preciso coragem para ofender 30% do eleitorado de uma cidade, de frente e sem filtros. É preciso ser-se mesmo... frontal. Ou desprovido de qualquer noção política básica, também serve.
Mas onde nasceu tamanha clarividência estratégica? Terá sido num jantar de campanha, entre bifes e cervejas, ou num grupo de Telegram com nome tipo “Movimento Patriótico Anti-Bairro”? Foi o líder regional? Os dissidentes do PSD? O careca e o painel solar? Há quem diga que a ideia surgiu durante uma sessão espírita com o fantasma de Salazar.
Ainda assim, nota-se que há ali estudo profundo sobre os bairros. Gente que conhece os meandros da marginalidade madeirense como ninguém. Aliás, até dá gosto saber que há quem ache que os bairros do Funchal são piores que os do Bronx, de Caracas ou de Nápoles. Há sempre jagunçada, claro, mas em geral são comunidades dignas, organizadas e resilientes. Só que, pelos vistos, o trio do Chega tem fontes que mais ninguém tem: identificam bocas de fumo, ocupações ilegais, redes de tráfico, talvez até saibam onde se esconde o Santo Graal.
Imagino a reunião de preparação da proposta: o líder a apontar num mapa as “zonas vermelhas”, o painel solar a listar os negócios obscuros (“Conheço-os todos, trabalho numa entidade fiscalizadora... fiscalizo com os olhos”), e o careca a fazer scroll em PDFs antigos do PSD para buscar inspiração. E todos de acordo: “Vamos criar brigadas!”.
O que espanta é que ninguém naquela sala se tenha levantado e dito:
— “Malta, isto é uma aberração jurídica. Primeiro, ofendemos o eleitorado. Depois, há forças de segurança que fazem esse trabalho. E, por fim, é ilegal: a Câmara não pode criar forças repressivas. Não pode revistar, deter ou perseguir ninguém. Aliás, já existem serviços municipais de fiscalização urbana. Isto seria um vexame.”
Mas não. A coisa avançou. E se, num universo paralelo, o Chega vencesse e criasse mesmo as brigadas… que nome lhes dariam?
BURROS – Brigadas Urbanas Reeducativas de Ressocialização e Opressão Social.
Moderno, imponente, direto. E a indumentária? Mussolini revival ou algo mais moderno, estilo Zelensky urbano, com colete táctico, botas de combate e cara de quem não dorme há três noites por causa da pátria. Imaginem-nos a chegar ao Bairro das Romeiras montados a cavalo, à GNR dos anos 40, o painel solar com o seu sorriso de paralisia facial e o careca com ar de quem acabou de perder uma aposta.
Atrás deles, uma dúzia de brigadeiros do Chega vestidos de preto, máscaras COVID, bastões e walkie-talkies com pilhas fracas. E a Dona Maria, encostada à janela, de esfregona na mão, a gritar:
— “Alha!!!! Virem pra qui com esses cavalos cagar isto tudo e depois ser a gente a limpar não tá certo, siga lá pra baixo com isso.´
Nas paredes, graffiti fresquinho: “MORTE AOS BURROS – O BAIRRO É NOSSO”. E mesmo assim, os nossos heróis não desistem. Missão é missão. Batem à porta:
— “Quem é?”
— “É a BURROS! Em nome da lei, abra a porta!”
E lá dentro, gargalhadas abafadas.
— “Esconde as canetas e os bonés que o painel solar faz coleção… e depois mama isso”
Resumindo, há que elogiar o Chega Madeira. São coerentes. Não prometem creches e centros de dia para depois esquecer. Não andam com paninhos quentes. Chamam os bois pelos nomes — mesmo que esses bois votem neles. E isso, em política, é raro.
Só esperamos agora que os BURROS não sejam apenas uma proposta — mas uma nova forma de arte performativa, um teatro do absurdo, que nos lembre diariamente até onde pode ir a estupidez embrulhada em bandeira.
Os bairros estão atentos. E as BURROS… à solta.
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