“Subsídiopólis", a saga dos CTT.


Exmo. Sr. Miguel Albuquerque,

Q ueria apenas agradecer, do fundo do meu coração de contribuinte insular, pela experiência quase espiritual que é pedir o subsídio de mobilidade. De facto, poucas coisas na vida nos ensinam tanto sobre resiliência, fé e o verdadeiro significado de “perder tempo à grande”.

É comovente ver o empenho do Governo Regional em garantir que os madeirenses não fiquem viciados em viajar. Porque com tantos documentos a entregar, é mais fácil atravessar o Atlântico a nado do que conseguir o reembolso dos voos.

Relembremos os requisitos deste ritual sagrado:

  • Data dos voos (claro, porque ninguém viaja no tempo... ou será que alguns viajam?)
  • Tarifa Classic (se for Light, esqueça lá, vá a pé);
  • Número do bilhete;
  • Código de reserva;
  • Código tarifário (inventado num laboratório secreto, presumivelmente);
  • Tarifa aérea detalhada até ao cêntimo;
  • Sobretaxa da transportadora (porque transportar ar condicionado deve ser caríssimo);
  • Taxa de segurança (talvez para manter os nossos nervos em cheque);
  • Taxa de serviço de passageiro (pelos sorrisos dos funcionários, suponho);
  • Taxa de emissão do bilhete (a impressora Epson agradece);
  • Bilhete eletrónico (mas entregue em papel, ironia das ironias);
  • Fatura;
  • Recibo (porque, claro, uma não basta).

É quase como um “escape room”, mas com menos emoção e mais filas nos CTT. E claro, se faltar um pixel num código de barras… volta para casa, reza três Pai-Nossos, imprime tudo de novo, e tenta outra vez para a semana.

Agora, permita-me uma humilde dúvida, Sr. Presidente: será que, nos alegados desvios de dinheiros públicos que envolvem V. Ex.ª e o mui eficiente Pedro Calado, também se exigiam estes documentos todos? Tipo:

– “Ó Miguel, tens aí o código tarifário da transferência para a conta em nome do primo do amigo do empreiteiro?”

– “Xiii, não tenho… espera que já peço o recibo no balcão do off-shore.”

Claro que não. Porque para quem mexe em milhões, a burocracia é uma ideia abstrata. Agora para nós, o Zé Povinho da Madeira, é papel atrás de papel, atrás de certidão, atrás de carimbo, tudo por uns míseros trocos que nos prometem como um favor e nos entregam como uma esmola.

E o melhor de tudo? Nunca, mas NUNCA, está tudo certo à primeira. Falta sempre qualquer coisa. Um número, um acento, um rabisco, uma sombra de dúvida. Volta para trás. Imprime outra vez. Tira senha. Volta à fila. É um loop infinito de desespero e paciência forçada.

Agora, pergunto-me com uma curiosidade quase infantil, nos alegados esquemas de desvio de dinheiros públicos em que o Sr. e o seu fiel escudeiro o se viram alegadamente metidos — e sublinho alegadamente, porque Deus me livre de ofender tão ilustres figuras — também era preciso este circo todo? Também pediam:

  • Código de reserva da marosca?
  • Tarifa Classic da comissão?
  • Taxa de emissão do suborno?
  • Recibo passado direitinho, com fatura para conferência?

Duvido muito. Aposto que nesses casos bastava um telefonema, um aperto de mão molhado e, vá lá, um jantar à conta do erário público. Simples, rápido e sem papelada.

Mas para nós, os camelos da Madeira, que ainda acreditamos que temos direito ao que nos é prometido, há sempre uma desculpa, uma senha nova, uma exigência absurda e uma espera interminável. Tudo para desencorajar, tudo para ver se desistimos.

Mas não desistimos e agora, temos o Madeira Opina para divulgar tudo isto. Parabéns Equipa MO!

Um abraço com data, código e recibo — para o caso de ser preciso provar que existiu-

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