Um exercício de Liberdade Vigiada
A Região Autónoma da Madeira tem sido, ao longo de décadas, um caso político singular em Portugal. Desde o advento da democracia, o Partido Social Democrata (PSD) tem vencido sucessivamente todas as eleições regionais, criando um cenário de domínio praticamente absoluto e contínuo sobre o arquipélago. Para muitos cidadãos fora da região, esta realidade é muitas vezes comentada de forma simplista e dura:
A Madeira tem aquilo que merece, pois a maioria vota sempre neles. Não tenho pena.
Mas será essa uma análise justa? Ou há mais neste "estranho caso" do que parece à primeira vista?
Durante décadas, o PSD-Madeira, sobretudo sob a liderança de Alberto João Jardim, construiu uma rede de influência fortíssima, marcada por obras públicas, controlo da comunicação social regional, dependência de cargos públicos e discursos populistas. Tudo isso alimentou uma cultura política difícil de quebrar, onde votar contra o PSD é, para muitos, sinónimo de arriscar o seu futuro profissional ou pessoal.
Suspeitas de Irregularidades. Onde está a CNE? Nos últimos anos, surgiram denúncias e relatos perturbadores sobre o processo eleitoral na Madeira:
- Casos de votos em branco que misteriosamente aparecem preenchidos.
- Eleitores pressionados a fotografar o boletim de voto para provar a sua fidelidade partidária, sob pena de perder o emprego ou benefícios.
- Uma rede de vigilância informal, baseada no medo e no controlo social, que dissuade a livre escolha.
Estes relatos, ainda que muitas vezes não formalizados por receio de retaliações, apontam para um problema mais profundo: a erosão da liberdade democrática na prática, mesmo num sistema que, em teoria, é livre e plural.
E aqui entra a Comissão Nacional de Eleições (CNE). Se há suspeitas credíveis de que o processo não é limpo, cabe à CNE investigar, intervir e garantir eleições verdadeiramente livres. No entanto, a aparente inércia ou falta de eficácia da CNE perante estas denúncias levanta uma pergunta incómoda:
Será que as instituições nacionais estão a proteger o status quo na Madeira, intencionalmente ou por negligência? O povo tem culpa?
É fácil culpar os madeirenses por votarem repetidamente no mesmo partido. Mas se o ambiente for viciado, se houver medo real de represálias, se não existir uma comunicação social independente e se os mecanismos de denúncia e fiscalização forem ineficazes, então a culpa não pode recair apenas sobre o povo. A responsabilidade maior é do sistema que permite, tolera ou ignora essas distorções.
Em última instância, a democracia depende da liberdade de escolha. Se essa liberdade está condicionada, por chantagem, dependência económica ou fraude, não estamos perante uma democracia plena.
O caso da Madeira deve ser encarado com seriedade, não com indiferença. Em vez de dizer "não tenho pena", talvez devêssemos perguntar: porque é que, em pleno século XXI, ainda há zonas do país onde a democracia parece refém?
E, sobretudo, exigir que as autoridades competentes, como a CNE, que cumpram o seu dever de garantir processos eleitorais justos, transparentes e livres.
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