As leituras de um caixote do lixo.

P orque estamos em pré-campanha eleitoral, as pessoas postam mais do que nunca caixotes do lixo cheios para acusar as suas edilidades, sobretudo se não for da sua cor política. É verdade que não passam, ainda esta semana falhou a recolha do plástico na minha zona. Também é verdade que a algumas câmaras tiraram caixotes públicos do lixo para obrigar as pessoas a terem o lixo em sua casa, no seu caixote e depois colocar à porta, por uma questão de higiene pública. O problema é que esta estratégia não resulta, o munícipe desloca-se de carro para vazar o seu lixo onde tiver caixote público, porque o seu ou está cheio ou não passaram.

Mas sem dúvida que há outra razão para isto, produzimos muito mais lixo apesar das marcas reduzirem o tamanho das embalagens ou a quantidade de plásticos. A outra razão é o número de turistas que compram nos supermercados comidas rápidas ou descartáveis, paralelamente ao mesmo lixo que nós produzimos. Eles não têm o seu caixote do lixo, usam os caixotes públicos, os que lhes der na vista, os educados. Estamos perante nova insustentabilidade que se vai fazendo notar.

A imagem de caixotes de lixo a transbordar torna-se um símbolo fácil de usar para criticar a gestão autárquica. É uma crítica visual e de impacto imediato. Mas vamos deixar de críticas fáceis e de pessoas, vamos falar de estratégias falhadas, o triângulo de inconvenientes: Política, Recolha e Estratégia Falhada

A politização da questão não anula a realidade de falhas na recolha, os mesmos problemas de serviço existem, independentemente da cor partidária da câmara, na maioria delas.

A ideia de colocar o lixo em casa até ser recolhido pode ser nobre, promover a responsabilidade individual e potencialmente a reciclagem mas, a sua implementação falha. A consequência direta é o munícipe, ao deparar-se com o seu próprio caixote cheio ou a recolha que não aconteceu, procura um caixote público noutra zona, assim dá-se transferência de lixo de zona para zona e, os que produzem menos lixo nos caixotes públicos, passam a ter a preferência por estarem vazios, até que a situação muda e fica igual às outras, menos caixotes públicos e mais pessoas à procura do mesmo. Isto apenas muda o problema de lugar, sem o resolver. O lixo não desaparece, apenas se acumula noutro ponto, criando uma nova sobrecarga e, muitas vezes, lixeiras ilegais, quando se aborrecem de andar com o lixo para despejar. Cria disfunção, a frequência de passagem da recolha que nunca é adequada à nova realidade.

O aumento da produção de lixo só pode ser igual à referência das filas indianas de turistas em trilhos e levadas ou das rent-a-cars. Contraria a perceção de que a redução de embalagens e plásticos por parte das marcas seria a solução, porque metemos mais gente na ilha até ser insustentável.

O volume de lixo continua a crescer, e existem duas razões para isso:

  • Consumo turístico e de comida rápida: o turismo, que é uma grande mais-valia para a economia, traz consigo um aumento substancial no consumo de produtos de conveniência. Os turistas, por norma, compram nos supermercados alimentos pré-preparados, snacks e bebidas em embalagens descartáveis, gerando lixo em paralelo com o lixo produzido pelos residentes. Este "lixo turístico" é um problema sazonal e concentrado, que a infraestrutura de recolha existente, pensada para a população residente, não consegue acomodar.
  • Produção de lixo per capita: apesar de todas as campanhas de consciencialização, a nossa sociedade de consumo continua a gerar enormes quantidades de resíduos. Embora as marcas possam reduzir as embalagens, a variedade e o volume de produtos que consumimos no nosso dia-a-dia compensam qualquer redução.

Estamos perante uma "nova insustentabilidade". As estratégias atuais, sejam elas políticas ou de serviço, não estão a acompanhar a nova realidade na produção de lixo, agravada pela pressão do turismo. O resultado é um sistema sobrecarregado, onde as falhas de recolha se tornam mais visíveis e os espaços públicos se transformam em focos de lixo, criando um ciclo de críticas e soluções ineficazes. É a faceta do lixo depois das ETARs, tudo isto está ligado: sintomas de insustentabilidade.

A política e as falhas de serviço são apenas a ponta do iceberg, o verdadeiro problema reside numa sociedade que produz cada vez mais lixo apesar de mitigar com as embalagens. Um desafio para o qual as câmaras ainda não têm uma resposta eficaz, nem se adequam na frequência e horários, perante a mudança feita em pouco tempo na sociedade, fixa e "ambulante".

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