Chega ao poder para deixar de chegar


N a Madeira discute-se muito a forma de lidar com o crescimento do Chega. Muitos defendem que a melhor forma de combater a sua demagogia é simples: dar-lhes poder. Porque uma coisa é estar na oposição, a prometer tudo a todos, outra bem diferente é governar, enfrentar orçamentos limitados, instituições, burocracia e problemas reais do dia a dia.

No plano autárquico, o Chega seria obrigado a gerir transportes, limpeza, habitação ou segurança local. Isso teria duas consequências: por um lado, os cidadãos veriam se as promessas populistas se traduzem em soluções concretas; por outro, a gestão daria menos palco para o discurso fácil e mais desgaste político. O risco, no entanto, é que aproveitem o cargo para culpar sempre o Governo Regional ou Lisboa pelo que não conseguem resolver, ou ainda que usem a câmara para medidas simbólicas de choque, que dividem mais do que unem.

Num governo regional, a prova seria ainda maior. Teriam de gerir saúde, educação e transportes, áreas complexas e dispendiosas. A necessidade de negociar coligações mostraria até que ponto o Chega é capaz de funcionar “como sistema” e não apenas contra o sistema. Mas também aqui há riscos: a utilização da máquina governativa para propaganda, a tentação de impor medidas ilegais só para marcar posição e a construção de uma narrativa de “vítimas de Lisboa” que pode reforçar a sua base de apoio.

Já num cenário de secretarias ou pastas específicas, o impacto seria mais limitado mas igualmente revelador. Se assumissem uma área concreta, como educação ou turismo, os resultados seriam fáceis de avaliar. Se falhassem, a responsabilidade seria clara. Mas também poderiam escolher áreas mais mediáticas, como juventude ou segurança, para apostar em medidas meramente simbólicas e manter visibilidade sem grandes resultados práticos.

Em resumo, dar poder ao Chega na Madeira pode funcionar como uma vacina política: obriga-os a provar se são capazes de governar e expõe as contradições entre discurso e prática. Mas a estratégia não é isenta de riscos. A curto prazo, pode haver danos institucionais, a normalização de discursos radicais e a exploração do fracasso como narrativa de vitimização.

E aqui está o dilema, em versão crua:

  • Mantê-los a berrar na oposição, onde se alimentam do protesto?
  • Ou deixá-los sentar-se na cadeira do poder, onde descobrem que não há “grande noite eleitoral” que pague salários em atraso ou buracos na estrada?

Pois bem, façam-lhes a vontade: deem ao Chega a chave da câmara e a fatura da EEM. Em menos de um mandato, nem eles quererão governar… mas nunca deixarão de dizer que a culpa foi de Lisboa.

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