Cidadania e participação cívica.

A democracia não se exerce apenas através do voto. Na atualidade, a participação cívica exige mais: vozes ativas, cidadãos envolvidos e políticos dispostos a ouvir e agir. - António Trindade

T ive a felicidade de despertar para a vida da comunidade e para a participação cívica com o 25 de Abril. Tinha 12 anos e o mundo abria-se à minha frente, em sucessivas e consecutivamente mais densas camadas de descoberta e indagação, mas com a certeza inabalável da Liberdade. Tive também a sorte de privar com um grupo de jovens da minha idade. Com eles, sem preconceitos e sedentos de aprender em que se traduziam afinal a Democracia e a Liberdade, procurei os novos caminhos, as novas ideias, todo o Futuro que nos colocavam à frente. O nosso pequeno grupo, curioso e atrevido, teve como principais inspiradores duas personalidades, infelizmente já falecidas: o Professor Eleutério de Aguiar e o poeta José António Gonçalves, ambos jornalistas do Jornal da Madeira e que sempre arranjavam paciência e tempo para aturar o nosso entusiasmo e alguns desvarios.

Entre muitos, o de fundar um jornal. “A Região”, semanário que teve publicados seis números, nos anos de 1979-80. Recordo-o aqui, não pelo sucesso editorial que foi escasso, mas somente a propósito do que pode e julgo que deve ser a participação cívica e o exercício da cidadania com base na liberdade de expressão, na tolerância e no debate civilizado de ideias a que qualquer cidadão, independentemente das suas origens, rendimento ou posição social, tem direito. E esta é, indiscutivelmente, uma conquista que Abril, há 50 anos, nos trouxe.

Antes, na I República era o governo das elites em que o povo era arrebanhado pelos caciques locais e cabos-eleitorais para votar numa lista determinada, sem fazer qualquer ideia do que a mesma propunha ou defendia. Hábito que de resto já vinha do parlamentarismo democrático-liberal e resultou nas inúmeras convulsões e golpes de estado que caracterizam as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX. A participação cívica era escassa e, quando necessário, reprimida (recorde-se, só a título de exemplo) a suspensão das famigeradas Conferências do Casino, a ditadura de João Franco e o breve período do sidonismo.

Depois veio Salazar e, como resumiu Álvaro Guerra, pela primeira vez, em muitos anos, alguém disse aos portugueses que “sabia, muito bem, o que queria e para onde ia”. A maioria dos portugueses, rendidos a tão perentória sabedoria, lá foram atrás das certezas do Estado Novo. Plebiscitaram a Constituição de 1931e seguiram o guião, habilmente criado por António Ferro, “Deus, Pátria e Família”.

Após muitas atrocidades cometidas “a bem da Nação” e em nome da “Pátria que ia do Minho a Timor” e de uma asfixia quase total das liberdades cívicas, em que um mero protesto equivalia a uma gravíssima ofensa ao Estado, logo perseguida pela famigerada PIDE (a seguir, DGS), chegou o 25 de Abril de 1974.

Decorridos 50 anos, verificamos que, não obstante as liberdades constitucionalmente consagradas, ainda não atingimos o que seria o pleno grau de normalidade da participação cívica. Ainda há muitos responsáveis que fazem tudo para reduzir a democracia ao mero exercício do voto de anos a anos e mesmo, relativamente a esse direito básico, tudo fazem para reduzi-lo à ida às urnas, tentando intimidar, por via de pressões familiares, profissionais ou outras mais complicadas, os cidadãos que divergem, tentando integrar ou apoiar propostas ou listas divergentes das maiorias que se julgam donas do poder por intervenção divina ou determinismo histórico.

Não chegamos, claro está, ao ponto dos dissidentes e opositores serem defenestrados ou suicidados à moda russo-soviética. No entanto, ao mínimo movimento que ensaie um cidadão interessado em promover alguma mudança ao estado de coisas vigente, é logo objeto de dissuasão por todas as formas possíveis que vão das promessas de favores pessoais à pura e simples ameaça de perda de vantagens ou eventuais constrangimentos. Na nossa Região Autónoma da Madeira, muito poucos podem considerar-se imunes a esse tipo de chantagem.

Sinto que há na maioria do povo madeirense, um desejo de mudança; nem que seja porque estão fartos dos mesmos personagens que, a todo o tempo, impõem as mesmas soluções como se houvesse apenas um caminho e perseguem ativamente quem procura outros trilhos ou hesita nas encruzilhadas.

Temos hoje um presidente do governo regional que deveria, no mínimo e por mero decoro, ter abdicado das suas funções face às graves suspeições que lhe são imputadas. E recordo, a propósito da afirmação de que à política não pertence o que é da justiça, que, enquanto a justiça tem como princípio basilar a presunção de inocência, a política deve ser mais exigente ao ponto de exigir que a mulher de César pareça séria. Está o mesmo rodeado, ao nível partidário, governativo e autárquico, de indivíduos a quem falta a tal seriedade ou, pelo menos, a aparência dela.

O povo madeirense, o tal que tem o direito de participar, discutir e decidir o que é o seu Futuro, tem, novamente, o poder decisivo de mudar as coisas. Na cabine de voto, não há chefes, capangas ou falsos amigos. É tudo uma questão de riscar a cruz no quadrado certo. E se alguém vos pedir que mandem uma foto do boletim de voto, digam que não tinham rede, ou então, fotografem e depois peçam ao presidente da mesa que vos dê um novo boletim porque se enganaram.

Mais importante é participarem ativamente na campanha eleitoral, difundindo a mensagem da vossa candidatura preferida. Não é essencial virem para a rua, o importante é que, de boca a boca, a mensagem passe!

João Cristiano Loja

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