N ada mais natural do que chamar "Dubai" a um condomínio novo construído com dinheiro da corrupção. É a honestidade involuntária a atingir o seu auge. O nome é perfeito, uma homenagem ao monumento mundial da ostentação financiada por petróleo, mão de obra explorada e leis medievais, mas em versão portuguesa — levantado com betão armado, tachos políticos e uns quantos envelopes passados debaixo da mesa.
O "Dubai" original já nos deu o exemplo: arranha-céus que brilham no deserto, mas sustentados por trabalhadores tratados pior do que cavalos de corrida. Aqui, o nosso mini-Dubai terá paredes finas como guardanapos, varandas que começam a rachar antes da escritura, e a promessa de "luxo acessível" — acessível apenas a quem não se importar de hipotecar a alma ao banco até 2075.
E há uma coerência deliciosa, no Dubai verdadeiro, mulheres não podem sair de casa sem autorização; no nosso, também não vão sair, mas por causa da prestação da casa. Lá, o luxo é fachada para esconder desigualdades grotescas; cá, a fachada é o luxo — a única coisa que não desmorona nos primeiros cinco anos.
Podiam ter chamado "Honestidade", "Transparência" ou "Justiça", mas não. Ao menos aqui há consistência: é falso, é feio, é corrupto, e ainda assim vendido como "o futuro da habitação".
E quando o elevador avariar pela primeira vez (no mês de inauguração), já sabemos qual será o slogan: Dubai, onde só sobe quem pode pagar.
Porque chamar um prédio novo de Residencial São João ou Condomínio das Flores já não causa impacto nenhum, os visionários do betão decidiram ir mais longe: batizaram a mais recente obra da corrupção local de Dubai. Isso mesmo, Dubai, como se bastasse pôr um nome estrangeiro para mascarar cimento barato, canalizações que vão rebentar no primeiro inverno e uma garagem que inunda sempre que chove.
A escolha não podia ser mais apropriada: afinal, tal como o Dubai original, este também foi construído à custa de dinheiro de origem duvidosa, à sombra de negociatas, favores políticos e envelopes recheados. A diferença é que, em vez de arranha-céus reluzentes, temos aqui paredes tão finas que já sabe a vida íntima dos vizinhos sem precisar de Netflix.
E claro, o nome "Dubai" vem com todo o pacote simbólico:
Lá como cá, mulheres não têm liberdade plena. Lá, é porque a lei não permite; cá, porque a prestação do crédito vai ser tão sufocante que ninguém vai ter tempo de pensar em direitos.
No Dubai verdadeiro, o luxo ostentatório tapa desigualdades brutais; no nosso Dubai do bairro, o portão automático e a piscina de um metro e meio tentam disfarçar que o resto da cidade está a cair aos pedaços.
No original, os operários vivem em condições miseráveis para que o sheikh possa ter mais uma torre de vidro. No nosso, os pedreiros receberam salários atrasados porque o empreiteiro já tinha gasto tudo em jantares "de negócios".
Batizar o prédio de "Dubai" é assumir, sem vergonha nenhuma, que a coisa toda fede a ostentação artificial, a falso glamour e a moral de plástico. Daqui a nada, quando o condomínio começar a ter infiltrações, talvez mudem o nome para Veneza.
Slogans de vendas futuras:
“Traga a sua família para o Dubai e viva como num emirado: sufocado por dívidas e sem direitos reais.”
“Dubai – porque ninguém quer morar no Bairro da Corrupção, mas é exatamente isso que está a comprar.”
Boas vendas Remax!
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