Friends da onça

 



Normalmente não costumo escrever sobre estes assuntos, mas este em particular mexeu comigo.

N os últimos tempos, temos assistido à proliferação dos chamados nomads ou, como gostam de se intitular, “Madeira Friends”. São, em grande parte, detentores de vistos gold que chegam à ilha com rendimentos elevados, muitas vezes sem pagar impostos em Portugal, porque trabalham à distância. Pagam rendas e compram imóveis a preços que estão totalmente fora do alcance da maioria dos madeirenses. O resultado é conhecido: o mercado imobiliário ficou distorcido, inacessível para quem aqui nasceu e vive.

Mas a questão não fica por aí. Agora, alguns destes grupos começaram a promover iniciativas em parceria com associações locais, retratando pessoas em situação de vulnerabilidade social. A cena é quase distópica: de um lado, festas em casas de luxo e hotéis; do outro, conteúdos sobre pobreza e exclusão.

A pergunta impõe-se: fazem isto por vergonha de contribuir para o agravamento das desigualdades na Madeira ou fazem-no apenas para ganhar “likes” e seguidores nas redes sociais? Se fosse a primeira hipótese, esperava-se que se envolvessem de forma genuína, oferecendo tempo e braços para ajudar em ações de voluntariado. Mas, pela forma como estes vídeos são construídos, a segunda opção parece mais convincente: alimentar o algoritmo para reforçar a sua própria visibilidade.

O mais grave é quando organismos públicos entram neste jogo. Ainda recentemente, uma parceria com estes mesmos grupos, em nome da “integração dos emigrantes” e da valorização dos “saberes da terra”. O resultado prático? Uma ação simbólica de colocar pedras no Parque de Santa Catarina ou plantar umas árvores. Será este o trabalho que verdadeiramente interessa numa cidade com tantos problemas sociais por resolver?

Afinal, estes “Madeira Friends” são friends de quem? Dos madeirenses que sofrem com rendas incomportáveis e salários baixos? Dos sem-abrigo que aparecem nos seus vídeos? Ou apenas do seu próprio reflexo no ecrã, alimentado pelo algoritmo?

Enquanto a pobreza aumenta na ilha, convém não perder de vista quem realmente contribui para este cenário e quem, pelo contrário, apenas lucra com ele.



Nota do MO: deixe-se ficar no comentário, precisamos de todos. Volte sempre.

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