Madeira: estradas da selva, safaris da treta e o circo automóvel do dia-a-dia.


C aríssimos leitores, vamos pôr os pontos nos is: andar na estrada na Madeira já não é mobilidade, é sobrevivência. Entre safaris de fantasia, camiões que rastejam como caracóis motorizados e ciclistas vestidos de “fatos-preservativo”, as nossas estradas transformaram-se num palco de irritação diária onde o trânsito é menos fluxo e mais tortura.

Comecemos pelos “safaris madeirenses”, essa invenção genial que consiste em enganar turistas com latas velhas, rotuladas a spray com a palavra mágica “Safari Madeira”. Como se a ilha tivesse leões, girafas ou elefantes escondidos no Funchal, no Porto Moniz ou na Calheta. O máximo que se encontra é um burro a pastar ou um carro em segunda mão a deitar fumo preto. O safari africano é aventura e natureza selvagem; o safari madeirense é marcha lenta, poluição e engarrafamento. Ora, expliquem-me: quem é o selvagem nesta história? Os motoristas que entopem a estrada com os seus jipes ferrugentos ou os turistas que acreditam que estão a viver uma experiência autêntica? Chamem-lhe como quiserem, mas não lhe chamem safari. Chamem-lhe logro com rodas.

Passemos aos camiões. Esses gigantes da lentidão que se arrastam quilómetro após quilómetro, arrastando atrás de si filas intermináveis de condutores desesperados. E não, não se trata de estarem carregados até ao limite — muitas vezes circulam meio vazios, mas a potência do motor é tão ridícula que mal conseguem ultrapassar os 30 km/h. E porquê? Porque há patrões forretas que preferem poupar uns tostões em vez de investir em camiões dignos. Resultado: a ilha inteira sofre com colunas de trânsito que podiam ser evitadas se houvesse um mínimo de responsabilidade empresarial. Some-se a isto as estradas feitas no tempo de Alberto João Jardim, mais preocupadas em engordar empreiteiros com fundos da CEE do que em garantir corredores decentes para pesados. O cenário é este: obras aldrabadas, curvas e contracurvas, uma faixa miserável por sentido e zero respeito pela mobilidade real dos residentes.

E agora, os ciclistas. Esses atletas de fim de semana que, em vez de treinar onde há silêncio e montanha, preferem desfilar no meio do trânsito como se fossem estrelas de cinema em Lycra fluorescente. Vestem-se de fato colado como se fossem competir no Tour de France, mas preferem as estradas cheias de carros a subir a estrada nova da Encumeada. Chamam-lhe exercício; eu chamo-lhe exibicionismo barato. Se quisessem verdadeiramente treinar pernas e pulmões, iam para os caminhos de montanha — onde o esforço é a sério e não atrapalha ninguém. Mas não: preferem fazer parte do caos, reduzindo ainda mais a já miserável fluidez do trânsito.

A verdade é que as nossas estradas estão a ser usadas como palco de vaidade, preguiça e aldrabice. O madeirense comum, que só quer ir trabalhar, levar os filhos à escola ou chegar a horas a um compromisso, é tratado como figurante numa peça absurda. Entre o safari que não existe, os camiões que não andam e os ciclistas que se exibem, a estrada madeirense deixou de ser um espaço público funcional e transformou-se numa caricatura grotesca de mobilidade.

Não é falta de paciência. É falta de respeito. É falta de vergonha. A Madeira merece estradas seguras, planeadas e funcionais — não labirintos de engarrafamentos perpetuados por quem explora turistas, por patrões que exploram trabalhadores e por ciclistas que exploram a paciência alheia.

Enquanto isto não mudar, conduzir na Madeira continuará a ser um safari sim — mas não para ver animais selvagens. É um safari urbano, onde os predadores são a ganância, a incompetência e a falta de decência.

Raios que partam!!!