O ciclo do pão perdido


Q uando o povo confunde a causa com o sintoma, o pão desaparece e a culpa muda de rosto. O ritual começa sempre igual: a fome aperta, o Facebook abre-se. Surge o culpado da vez, o imigrante, o socialista, o Estado gordo, a “ideologia de género”. E, de fúria em fúria, o voto vai sempre no mesmo sentido: para “acabar com isto”, “pôr ordem nisto”, “defender os valores”. Mas, no final, o pão volta a faltar.

O trabalhador acredita que o inimigo é o pobre, o estrangeiro, o vizinho que recebe um subsídio. Vota na direita que promete cortar no desperdício, e descobre, tarde demais, que o corte foi na saúde, na escola, na reforma, no salário. Depois, volta ao ecrã: alguém grita que a culpa é dos impostos, dos “preguiçosos”, dos “piegas”. E o ciclo repete-se.

O que é, afinal, esta política da ilusão senão um teatro de sombras? A mão invisível que rouba o pão não é a do estrangeiro, é a do poder económico que se alimenta do medo e da ignorância. É o discurso fabricado para que o povo vote contra si próprio, acreditando que o castigo dos outros trará a sua redenção. Não traz. Apenas transfere o pão da mesa de muitos para o cofre de poucos.

É este o paradoxo moderno: quanto mais o cidadão é manipulado por slogans, mais acredita ser livre; quanto mais a direita lhe promete “libertação”, mais o amarra à servidão económica. O ideal de justiça é trocado pela vingança, a solidariedade pela inveja, a democracia pela gritaria digital.

Mas a verdade é simples, quase aritmética. Um país que despreza o conhecimento e exalta o ódio cava a sua própria fome. Um povo que troca direitos por ressentimentos perde o pão e a dignidade. A economia não se fortalece com raiva; o futuro não se constrói com medo.

A verdadeira revolução não está no voto de protesto, mas no despertar da razão. Enquanto o povo continuar a acreditar que o seu inimigo é quem menos tem, o seu verdadeiro opressor continuará a brindar com vinho caro, sorridente, ao som do ruído que ele próprio financiou.

E quando o pão acabar de vez, talvez se perceba — tarde, mas finalmente — que não era o socialismo que lhe tirava o pão. Era o egoísmo que o roubava em silêncio.