P or vezes, a diplomacia exige silêncio. Outras vezes, exige coragem. No caso do embaixador de Portugal na Venezuela, João Pedro Fins do Lago, muitos se perguntam se o silêncio se tornou cumplicidade, e se a coragem ficou pelo caminho.
Num país mergulhado numa crise humanitária e política sem precedentes, a atuação do representante diplomático português tem levantado sobrancelhas, gerado manchetes e, sobretudo, causado desconforto entre a comunidade luso-venezuelana. E não é para menos.
Um dos episódios mais controversos foi a reunião de Fins do Lago com Alex Saab, empresário colombiano acusado de lavagem de dinheiro e considerado testa de ferro do regime de Nicolás Maduro. Saab é uma figura central no esquema de corrupção que sustenta o chavismo, e sua prisão chegou a gerar tensões diplomáticas entre Venezuela e Estados Unidos.
O que causou espanto foi o facto de que João Pedro Fins do Lago foi, ao que tudo indica, o único embaixador europeu a reunir-se com Saab. Um gesto que, mesmo sob o pretexto da diplomacia, soa como uma legitimação simbólica de um regime acusado de violações sistemáticas dos direitos humanos.
Como se não bastasse, o embaixador declarou publicamente que a comunidade portuguesa na Venezuela deveria manter-se “equidistante” das questões políticas do país. A frase, que talvez pretendesse soar neutra, caiu como um balde de água fria sobre uma comunidade que vive, e sofre as consequências diretas da crise venezuelana.
Pedir neutralidade diante da escassez, da repressão e da insegurança é, no mínimo, insensível. É como pedir silêncio a quem grita por socorro.
As reações não tardaram. O deputado luso-venezuelano Carlos Fernandes disse sentir “vergonha” das palavras do embaixador. O partido Iniciativa Liberal foi mais longe e pediu sua exoneração imediata, acusando-o de “capitulação diplomática” frente a um regime autoritário.
A comunidade portuguesa, por sua vez, expressou indignação nas redes sociais e em fóruns comunitários. Muitos se sentiram desamparados, como se a embaixada tivesse deixado de ser um porto seguro para se tornar um braço protocolar de um governo que oprime.
É claro que a diplomacia exige equilíbrio. Mas equilíbrio não é sinônimo de indiferença. Representar um país democrático como Portugal implica também representar seus valores, entre eles, a defesa dos direitos humanos, da liberdade de expressão e da dignidade humana.
O caso de João Pedro Fins do Lago é um alerta: quando a diplomacia se afasta dos princípios, corre o risco de tornar-se cúmplice do silêncio. E, em tempos de crise, o silêncio pode ser ensurdecedor.
