P erturbar. Desestabilizar. Desorientar. Eis a tríade que define a mais recente coreografia política da extrema-direita portuguesa. Enquanto o país procura o equilíbrio entre a memória e o futuro, André Ventura ergue o estandarte do passado, clamando por “três Salazares” como se a solução para as feridas da democracia fosse o regresso à ditadura.
As suas declarações multiplicam-se pelos jornais, como um eco ensurdecedor que testa os limites da decência e da razão: ora defende a “Portugalidade” contra um inimigo imaginário, ora transforma a Assembleia num palco de histeria performativa. O seu discurso, travestido de moralidade, é pura engenharia emocional, feita para provocar, dividir e alimentar o ressentimento de quem já se sente traído pelo sistema.
Mas a questão é outra: o que acontece a uma nação quando o absurdo se torna rotina e o racismo ganha palanque? Quando a mentira é estratégia e o populismo substitui o pensamento, resta apenas um vazio onde antes existia cidadania. O fenómeno Ventura é o sintoma, não a doença. A sua ascensão é o espelho de um povo fatigado, iludido por soluções fáceis e frases gritadas.
Enquanto uns defendem Abril, outros rasuram-no com slogans que cheiram a mofo autoritário. Fala-se de “auditorias”, “lei da nacionalidade”, “honestidade”, mas o que se esconde por detrás é o velho truque da distracção: transformar a política num circo onde o palhaço veste farda e promete ordem à custa da liberdade. E o mais perigoso não é o grito, é o aplauso.
Gouveia e Melo, Montenegro, Marques Mendes, todos respondem, todos se indignam, mas o ruído sobrepõe-se ao conteúdo. O debate público degrada-se, transformando-se num ringue de egos. O eleitor, cansado, assiste. E é assim que o extremismo avança: não pela força das ideias, mas pela fraqueza das instituições e pelo silêncio dos que as deviam defender.
Num país onde a pobreza cresce e a habitação se torna um luxo, o populismo floresce no desespero. A culpa, dizem, é dos “outros”, dos imigrantes, dos ciganos, dos socialistas. Nunca dos poderosos, nunca dos corruptos. A indignação é seletiva, a moral é teatral, e a verdade tornou-se descartável.
A democracia portuguesa não precisa de “três Salazares”. Precisa de três coisas bem diferentes: memória, justiça e coragem. Memória para não repetir o erro. Justiça para expor os falsos profetas. Coragem para não ceder ao medo. Porque a tirania começa sempre com uma promessa — e termina com o silêncio de quem acreditou nela.
