Ao Ronaldo


Carta Aberta ao Cristiano Ronaldo

C aro Cristiano, o nosso madeirense mais internacional, embaixador de músculos e disciplina, símbolo de que — às vezes — sair de Santo António dá mesmo resultado. Antes de mais, parabéns pela decisão de casar na Sé do Funchal no próximo ano. Nada como trocar votos no coração da cidade e brindar depois num hotel de luxo, com vista privilegiada para aquela parte da ilha que as brochuras turísticas adoram. É bonito. Quase tão bonito como imaginar que, nalgum momento entre o champanhe e as fotografias, talvez se lembre da Madeira que não entra nos folhetos.

Porque existe outra Madeira, Cristiano. Aquela que conheceu antes de se tornar marca global. A Madeira onde a freguesia de Santo António continua a enfrentar problemas que não se resolvem com piscinas infinitas nem inaugurações de última hora, famílias ainda vulneráveis, jovens sem rumo, violência doméstica e alcoolismo igual ao do tempo do seu pai, que persiste nas sombras e miúdos que nao sabem ler nem escrever, não porque não tenham talento, mas porque nunca ninguém lhes ensinou que o talento é só o primeiro minuto de uma batalha longa.

E é precisamente por isso que lhe escrevo.

Cristiano, você sabe que disciplina, persistência e trabalho árduo valem mais do que qualquer cunha. E, convenhamos, aqui na ilha as cunhas têm mais circulação do que as carreiras dos Horários do Funchal. Talvez por isso a ideia que lhe quero lançar faça tanto sentido:

porque não investe parte do seu vasto (e muito bem merecido) património na construção de uma escola em Santo António?

Uma escola onde se ensinem as virtudes que o fizeram sair de um bairro difícil para o topo do planeta:

  • disciplina em vez de favores;
  • persistência em vez de atalhos;
  • mérito em vez de esquemas;
  • trabalho árduo no lugar da corrupção que alguns insistem em achar normal.

Imagine o impacto, uma instituição onde o seu nome não serve apenas para vender camisolas, mas para criar oportunidades reais. Onde cada criança possa ouvir: “Se ele conseguiu, tu também podes, e aqui tens um sítio que te vai ajudar.”

É um investimento mais nobre do que mais uma estátua, mais eficaz do que mais um museu.

E já que vai casar na Sé, nada como marcar o ano do seu casamento com um gesto tão grande quanto os seus golos, devolver a Santo António aquilo que Santo António lhe deu, não só o ponto de partida, mas a prova viva de que nenhum destino está traçado à partida.

Com admiração pela sua trajetória e com esperança no que ainda poderá fazer por aqueles que o seguem, invisíveis, o mesmo caminho difícil que um dia percorreu,

Um madeirense que acredita que a ilha ainda pode ser maior do que o que se vê do miradouro.